A culpa não é minha, é do cigarro

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Se alguém perguntasse a Cesar o porquê de, assim de repente, ter decidido dar um beijo nos dois amantes pela manhã, ele definitivamente colocaria a culpa no cigarro. Seu maço havia acabado ao tragar o último na sacada ao acordar e, bom, ele ficou ansioso. Não é como se a curiosidade que tinha de saber o gosto dos lábios dos dois o tivesse dominado naquele momento, como se desde a noite anterior quando houve a revelação seus sentimentos aflorassem e ele estivesse se sentindo mais vivo do que nunca, entregue completamente aos desejos que até então desconhecia que tinha. Também não é como se Joui e Arthur fossem simplesmente os homens mais bonitos que já conheceu e fosse tão difícil resistir a tentação de querer tocá-los, descobrir como era a sensação de ter sua boca na deles, estar próximo a eles a todo momento. É claro que não. A culpa era do cigarro, obviamente.

Mas não podia negar que se controlava muito para não fazer aquilo de novo.

Foram só alguns segundos, mas era o suficiente para já sentir uma sensação semelhante a que sentiu ao tragar o primeiro cigarro, não conseguia tirar da sua cabeça que queria tentar aquilo mais uma vez, e mais outra, até se tornar um vício. Aqueles lábios pareciam se encaixar tão perfeitamente nos seus, como se fossem feitos pra ele, só ele. Quando havia se tornado tão egoísta? Não conseguia evitar, precisava tanto de Joui e Arthur, os amava tanto, eles eram seu refúgio.

Talvez, a culpa não fosse só do cigarro.

Ao chegarem na base, Cesar seguiu direto para sua sala, encontrando Samuel e Letícia já trabalhando, conversando com Rubens enquanto analisavam algo em um dos computadores. Foi para sua mesa em silêncio, checando se tudo estava em ordem. Ao confirmar, afastou-se do monitor, ainda sentado, passando a ponta dos dedos por seus lábios enquanto aquele momento se repetia em sua mente. A barba de Arthur roçando seu rosto, o cheiro de Joui, ambos os corpos tão próximos do seu. Queria aquilo de novo, talvez até mais. Fechou os olhos, deixando seus pensamentos irem mais longe, imaginando como seria beijá-los mais profundamente, estendendo aquele beijo que fora meramente um selar rápido pela manhã. Poderia sentir mais, talvez até pudesse passar as mãos pelos ombros, pelo rosto, segurá-los em seus braços, não deixá-los se afastarem. Eles o segurariam também? Colocariam as mãos em sua cintura? O puxariam para perto? Quando terminasse de beijar um, o outro estaria esperando também?

Suspirou, passando as mãos pelo rosto. Ele realmente precisava de um cigarro.

Levantou-se, caminhando para fora da sala de pesquisa. Olhou brevemente para as pessoas reunidas no salão, que conversavam ou analisavam papéis nas várias mesas. Joui e Arthur não estavam à vista, então apenas caminhou para fora do local, indo em direção a um mercadinho próximo para comprar seu maço. Ao chegar nas escadas que levavam para o bar, viu Joui descendo, que deu um sorriso ao vê-lo. Deu um passo para o lado para o outro passar e, quando estava quase passando, virou-se de repente, puxando Cesar pelo casaco até estar próximo o suficiente para dar-lhe um beijo parecido com o que havia dado pela manhã, então sorriu novamente, voltando a caminhar para longe.

Cesar apenas ficou parado na entrada da escada, olhando Joui indo para onde as salas ao lado do salão ficavam.

Não queria mais o cigarro.

— Porra — xingou para si mesmo em um tom derrotado, correndo para alcançá-lo. Ao conseguir, Joui estava prestes a entrar no corredor ao lado do salão. Cruzou sua frente rapidamente, agarrando seu braço e o puxando para a sala de química. Constatando a ausência de Renan no cômodo, entrou arrastando o japonês consigo, então fechou a porta.

— Cesar, o que você... — antes que pudesse terminar a pergunta, subiu uma das mãos para sua nuca, puxando o rosto do outro em direção ao seu, selando seus lábios mais uma vez naquele dia, mas não como apenas um beijo rápido, já não era suficiente. Deixou-o durar um pouco mais, estendendo apenas o bastante para conseguir sentir com clareza a textura dos lábios de Joui, o gosto, cada detalhe que podia memorizar.

Definitivamente viciaria naquilo.

Separou-se, apenas um pouco, respirando fundo. Olhou para Joui, que não olhava em seus olhos. Seguindo seu olhar, ele parecia olhar para sua boca, pensativo. Experimentalmente, mordeu o lábio inferior, ainda segurando a nuca do outro. Céus, quando havia se deixado ir tão além? Não se reconhecia. Não importava, nada importava, porque ao vê-lo olhar em seus olhos novamente e sentir suas mãos segurando forte sua cintura, empurrando-o para trás até tocar com as costas em uma das mesas do laboratório enquanto seus lábios se juntavam, tudo ao seu redor sumiu.

Fechou os olhos, concentrando-se no momento, apoiando a mão livre na mesa atrás de si para segurar-se melhor. Não era mais um simples beijo, suas bocas se tocavam com uma certa urgência, como se ambos estivessem aguardando aquilo por muito tempo e agora finalmente tinham conseguido o que queriam. Sentiu a língua de Joui lhe invadindo a boca, aprofundando o beijo enquanto suas mãos seguravam forte sua cintura, prendendo o corpo junto ao seu.

Queria que aquele beijo durasse para sempre, mas o som da porta ao lado abrindo e uma voz familiar os fez se separarem, olhando assustados para o local.

— Gente, o que vocês tão fazendo aqui? Eu vi vocês entrando e–

Arthur interrompeu a própria fala ao olhar para a cena, surpreso. Cesar estava pressionado contra uma mesa por Joui, e ambos estavam muito próximos e levemente ofegantes e vermelhos.

Joui o soltou sem dizer uma palavra, caminhando em direção a Arthur na porta, a cada passo mais e mais próximo, até estar a poucos centímetros de distância. Com uma das mãos fechou a porta, a segurando no lugar ao lado da cabeça de Arthur enquanto a outra ia até o tecido da camiseta que ele usava, o puxando para perto também, beijando-o da mesma forma que acabara de fez com Cesar, que os olhava sem se mover, incapaz de desviar o olhar.

Não deveria ser tão bom ver seus amigos se beijando daquela forma, mas era. Vê-los em um momento tão íntimo, logo em sua frente, fazia seu coração se acelerar, sentia que poderia passar horas apenas parado ali, observando o jeito que as bocas se encontravam, a barba de Arthur roçando de leve a pele do outro, os braços agarrados um no outro... Era uma visão perfeita.

Separaram-se quando o ar fez falta, ambos os olhares virando para Cesar, que discretamente tinha apoiado a outra mão na mesa. Arthur deu alguns passos em sua direção, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, a porta do laboratório bateu, impedida de abrir por Joui que inconscientemente ainda a segurava. O japonês se afastou, dando espaço para ela ser aberta, vendo Renan entrando com uma pilha de livros nos braços. Ele parou, olhando o trio confuso.

— Oi, gente. Desejam alguma coisa? — perguntou, apoiando os livros em uma bancada enquanto os organizava.

— A gente só veio ver como você tá, mas você não tava aqui — Arthur mentiu, olhando para os dois ao seu lado com uma sobrancelha erguida.

— Ah, eu tô bem, pessoal, só um pouco ocupado. Obrigado por se preocuparem. E vocês? Como estão? — Olhou brevemente para os três, voltando para a organização.

— A gente tá bem — Joui respondeu, e então olhou para Cesar. — Muito bem, na verdade.

Cesar colocou as mãos no bolso, apertando os lábios com a resposta de Joui. Passou pelos três, caminhando para fora da sala com um breve aceno a Renan antes de sair, então seguiu para sua sala. Quando estava prestes a entrar, ouviu a voz de Arthur próxima a seu ouvido.

— Você tá me devendo um também. — Virou-se, vendo-o piscar um dos olhos para si, e então seguindo reto no corredor. Joui estava logo atrás, apenas o olhou ao passar, dando um sorrisinho de lado, e o seguiu para o saguão.

Balançou a cabeça, voltando para sua mesa na sala de pesquisa.

O cigarro já não fazia falta.

Um refúgio em seus braçosOnde histórias criam vida. Descubra agora