Meu coração

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· Perspectiva de Rafaella

Rafaella abriu os olhos, em sua frente estava um homem a encarando. O silêncio do quarto era quebrado pelo barulho ritmados dos aparelhos. Completamente diferente de antes daquele quarto. As mãos de Rafaella brilhavam com um pó dourado que surgiu do nada... Sentiu um cheiro perfumado. Era uma mistura de flores, mel e hortelã. Não havia mais restado dúvidas a ela. Algo estava errado.

O homem a encarava. Ele possuía o mesmo brilho. De repente ela estava de pé ao seu lado.

- Você é um anjo? – Perguntou.

O homem sorriu assentindo. Não disse nada naquele momento, como se quisesse que Rafaella reparasse em todos os detalhes compostos na cena que havia sido proporcionada a ela. O homem deixou um sorriso pousar lentamente em seu rosto para que Rafaella não se sentisse tão desconfortável assim... Na verdade, a Rafaella estava apavorada, com um milhão de coisas vagando em sua pobre mente confusa como um labirinto grande e escuro.

- Quero te levar a um lugar... – Disse o homem num tom angelical.

- Onde? – pergunta Rafaella.

As luzes se dissiparam. Os tons foram se alterando... O chão era rasgado ao meio, e o teto amassado como se fosse de papel. Então surgiu a poucos passos à frente uma sala iluminada, com um ar gélido e penetrante. Era a sala de espera de um hospital. Uma mulher chorava enquanto era consolado por uma outras, tinha uma mulher sentada em uma das poltronas com um homem ao seu lado lhe encarando severamente. Uma outra se mantinha no quanto observando a cena.

O homem volta para o corredor, Rafaella adianta seus passos para o alcançar. Ele escolhe uma das portas e entra com Rafaella logo atras. Um médico está ao lado da cama de uma moça que se parecia com ela. Ele fecha os olhos mortos da paciente e diz: "Hora do óbito: 09h45min."

O médico de meia idade sai da sala com uma expressão fechada. Era como um mensageiro que precisava levar uma mensagem triste. Tanto o homem quanto Rafaella o acompanha. Ele está indo em direção a sala de espera que Rafaella tinha entrado momentos antes.

Ninguém os via, nem a ela, nem ao homem ao seu lado.

A jovem se desespera com a notícia recebida.

- A grande verdade que vocês deixaram de acreditar, e isso por terem perdido suas origens, é que o homem é um ser imortal. – Disse o homem ao seu lado. Os seus olhos escarlates pareciam refletir-lhe os mais nobres pensamentos.

- Imortal? – Perguntou Rafaella.

- Sim. Não importa para onde o homem vá, de um jeito ou de outro a alma nunca morre, seja no inferno ou no jardim eterno de flores. Agora, você está a caminho de uma nova casa onde se encontrará com pessoas que também já estão lá há algum tempo. Sua namorada chora perda, o que é totalmente aceitável. Em breve ela entenderá que você na verdade não morreu, mas apenas a aguarda em um lugar muito mais perfeito do que este.

- Eu morri? – Pergunta Rafaella com os olhos cheio de lágrima.

- Sim.

Rafaella volta a sua atenção para a cena que estava acontecendo na sala de espera, porém agora consegue identificar algumas pessoas presente ali. Mas sua atenção se prendeu a Gizelly.

- Ela vai sofrer muito? – Pergunta ainda mantendo o olhar na amada.

- Sim. Mas isso não significa nada agora... É como uma mãe na hora do parto: Por mais que a dor consuma todos os segundos daquele momento, o prazer de olhar nos olhos da criatura agora gerada... Ah... Nada é mais prazeroso! Assim vai ser quando vocês se reencontrarem.

- Eu entendo. Fico muito feliz por saber que um dia a verei novamente... Mas gostaria de estar com ela mais um pouco aqui. Sinto sua falta... É como se eu sentisse que tudo o que ela representa para mim, o espaço que ela cultivou em meu coração... Como se ainda faltasse alguma coisa.

De repente, uma paisagem começou a surgir pelas paredes da sala, que pareciam derreter como chocolate quente. Um jardim surgiu à frente. Nele tinham rosas de todas as cores, e todas elas respingavam gotas de tinta vermelho escarlate. As gotas caíam na grama molhada e logo nasciam outras flores. Flores com espinhos grandes, mas ocultos. Havia pássaros que voavam por sobre as águas de um rio que cruzava o horizonte. Todo aquele ambiente colorido e perfumado atraía a curiosidade de Rafaella. Ela estava abismada com tamanha beleza.

- Onde estamos?

- Me acompanhe. – Disse o homem.

Ambos seguiram por um caminho que beirava um rio, a cada passo um novo olhar e a cada olhar uma nova descoberta. Um bando de seis aves que pareciam pombas gigantescas saiu da grama e perfurou o céu azul como se fossem flechas lançadas. Segundos depois, outro grupo de aves se lançou ao céu. Rafaella se assustou dando um passo atrás. O homem achou graça.

- Que lugar é esse? – Perguntou Rafaella com um olhar de fascínio.

- Garota acho bom me seguir. – Alertou o homem.

- Ei, não me chame assim! – Reclamou Rafaella.

- O que, de garota? – Perguntou o homem em um meio sorriso.

- Tenho quase três décadas nas costas. Tenho vinte e sete anos. Não sou criança! – Repreendeu.

- Tem vinte e sete anos? – Perguntou o homem com um sorriso cômico.

- Huhum.

- Nossa, achava que tinha menos... – sorriu – Tenho milhares. Mais anos que essa terra. Agora siga-me criança!

Caminharam em frente até que o horizonte se tornasse tão perto quanto uma esquina. O rio os levou até um perigoso desfiladeiro com uma imensa cachoeira que derramava-se sobre uma abertura que dava para um oceano tão azul e grande quanto o céu. Grandes pedras cristalinas caiam como granizo junto das águas no desfiladeiro. Aquele lugar era assombroso por tamanha perfeição e beleza. Eles continuaram a caminhada até descerem à praia na entrada da floresta. Na beirada da praia havia pequenos castelos de areia, e em volta de cada castelo havia um muro de pedras e cascalhos. O detalhe fez Rafaella perceber que todas as árvores que beiravam a floresta também eram cobertas por pedras. Dentro da mata cada coisa bonita e vistosa, cada flor ou fruto no chão, era coberto por uma pequena muralha de cascalhos. Assim que entraram pela floresta, a caminhada cessou.

- Então Rafaella... Diga-me exatamente o que vê. O que acha desse lugar? – Perguntou o homem com a voz angelical.

- Bom. Pra falar a verdade, acho que morri e você está me levando para o céu.

O homem deu de ombros

- Acha que está no céu?

- É. Acho que sim. – Afirmou ela.

- Hum... Descreva o que vê. – Pediu o homem.

- Ok. – Rafaella suspirou. – Esse lugar é grande, bonito e espantoso. Tão grande quanto bonito! As rosas são lindas, mas não vi nenhuma que não tivesse espinhos gigantescos escondidos, como se aguardassem para se proteger de algo. A cachoeira era perfeita, mas havia tantas que pareciam ser perigosas e que impediriam alguém de se banhar no rio. A sensação que dá é que nada aqui pode ser desfrutado por mais belo que seja. Eu quis pegar uma rosa. Senti vontade de mergulhar no rio, mas não pude. Por mais que quisesse, me machucaria. Acho que o dono desse lugar não quer que ninguém mexa em nada.

- É... Essa é a sensação Rafaella. Você tem uma percepção muito boa. – Elogiou o homem.

Eles se entreolharam.

- Este é o seu coração.

- O meu coração?

- Sim. Um lugar bonito e simples, porém, coberto por defesas e barreiras. Um lugar onde você se trancou e não deixa ninguém te alcançar. Você me perguntou se estava morta. Falou que ainda não queria deixá-la, mas você levantou esses muros e está impedindo que eles te tragam de volta. Não sou eu quem decide se você continuará ou não. O poder sempre esteve em suas mãos.

Era vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora