Cinderela dos Absorventes

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Alguns escritores têm idéias brilhantes, alguns são brilhantes por si só, alguns têm sua própria história pra contar e eu... Eu tenho tempo livre e força de vontade. Só isso mesmo, porque nem como começar essa porcalha eu sei. Bem, oi. Estou aqui no meu quarto, deitada na minha cama, com meu melhor pijama de ovelhas voadoras e são seis da tarde.
   Queria esclarecer a você, leitor, que tipo de livro é esse, mas creio que isso não será possível porque não faço a mínima idéia. Minha vida é normal, assim como eu, então minha biografia seria um tédio, meus amores são tão extraordinários quanto os amores de qualquer menina de dezesseis anos, em vista disso um livro de romance está fora de cogitação e, por fim, minha criatividade é limitadíssima, portanto escrever um livro de fantasia criando um mundo paralelo é impossível.
   “Como escrever um livro” pesquiso no Google. Leio alguns dos links disponíveis e vejo que não é nada do que eu preciso. Digito “como faz” e apago. Desisto. Então, abro o Word e escrevo a dedicatória, como você deve ter lido na página anterior.
   Agora os seguintes questionamentos vieram à minha cabeça:
  (1) Será que escritores, tipo aqueles de verdade, usam o Word para escreverem seu livros?
  (2) Eu devia mesmo ter escrito a dedicatória antes de terminar o livro?
  (3) Sobre o que eu vou falar, Jesus?
  E (4) Será que não seria mais legal ficar aqui escrevendo invés de ir pra festa que eu tenho que ir?
      Enfim... Toda pergunta tem uma resposta, certo? Não. Uma pena, mas acredito que não. É claro que vez ou outra você tem certeza do que responde a alguém, mas essa mesma resposta pode ser alterada se você mudar de opinião ou ficar sabendo de outra informação.
    Portanto nenhuma pergunta tem uma resposta que não esteja em constante alteração. Nem mesmo questões do tipo “X, você gosta de sushi?” visto que hoje X pode gostar de sushi, amanhã não. O que nos leva a: quem é X? Outra pergunta sem resposta, o que comprova minha teoria de que quase nenhuma pergunta tem uma resposta. Pelo menos não uma concreta e inalterável.      
    Agora, vamos às respostas dos meus questionamentos (caso você não entenda que isso NÃO É CONTRADIÇÃO releia a teoria destacando o fim ou o começo onde digo que as respostas são alteradas facilmente).
(3) Não sei. Não sou Jesus e talvez Jesus saiba, mas não sou ele... ou Ele. Ele com o “E” em letra maiúscula é usado somente quando nos referimos à Deus? Ou à Jesus também?
(2) Não... Sei. Talvez logo após terminar o livro tenha uma grande chance de você (eu?) acrescentar ou retirar alguém de lá.
(1) Não sei, pergunte para um. Só um porque se você... eu... perguntar pra mais de um a resposta será alterada e isso será uma pena por que você... bem... eu... só ficará em dúvida. Mais dúvida.
e (4) Sei lá. Não, gente. Não sou uma típica garota de livro que é introvertida e anti-mundo-e-coisas-fofas-pais-amor-amigos-sair, não odeio roupas justas e nem bandas que todo mundo escuta, sei quem é Katy Perry e Nicki Minaj, não uso óculos e nem “meus jeans surrados com meu velho all star”. Eu só... To com preguiça? Não vai ter ninguém de oh-puxa-me-pega e Luka não foi convidado.
     Eu personagem e eu escritora (ou talvez sejamos a mesma pessoa, não sei também) temos 16 anos e... pasmem: Tenho amigos, saio na rua, amo e convivo bem com meus pais, não tomo café, não estou a procura do amor (mas não estou fugindo dele também... Você é gato? Se for vá até a contra capa e me mande um email, o meu tá na foto abaixo da minha carinha linda, com seu telefone e foto para que eu entre em contato O MAIS CEDO POSSÍVEL) e na minha cidade não tem Starbucks. E aí você está pensando “que tipo de personagem de merda é essa?” e eu... Não sei. Algumas perguntas não têm respostas.
    Chego à conclusão que após toda essa conversa jogada fora provavelmente perdi uns dez, quinze leitores, se é que vou alcançar um número tão grande de leitores (acho provável porque minha família é grande).
    Olho pro relógio... Sete e cinquenta e seis e a festa começa oito horas. Tô com tanto sono. Vou ficar cheirando a peixe. Esse é o grande problema de restaurantes japoneses, você entra linda, limpa e cheirosa e saí com cheiro de peixe e suja de shoyu.
    Troco de roupa rapidamente, ela já estava separada em cima da minha cama. Uma saia preta não muito rodada e nada apertada e uma blusa cinza que deixa três dedos da minha barriga à mostra, mas é claro que o umbigo não. Me maquio consideravelmente rápido, um pouco de corretivo nas olheiras, rímel e blush. Peço ao meu pai que me leve.
    “Agora?” Ele diz.
    “Quando der...” Eu falo.
    Então me olho no espelho. Minha roupa é bem legal, sabe... Fica lindo na minha mãe ou numa pessoa que tenha sustância nas pernas. Em mim nem tanto. Meu cabelo, ondulado, como sempre, minhas unhas, roídas, como sempre e minha cara, maquiada, como quase sempre.
    Papai e mamãe estão ajudando um ao outro com as coisas dos seus trabalhos.
Então falo que não precisa mais, que tenho carona, aviso que os amo, abraço, beijo, abraço, beijo e vou embora.
    Não, não tenho carona, mas não quero atrapalhar o trabalho deles. Então vou a pé, por mais que esteja à noite e que eu esteja sozinha. Moro numa cidade pequena e clara. Pequena porque todo mundo que tem aproximadamente a mesma idade se conhece e freqüenta os mesmos lugares. Clara porque, quando fica a noite, todos os estabelecimentos ficam de luzes acesas deixando as ruas iluminadas e com a impressão, talvez só a impressão mesmo, de que sejam mais seguras.
    Assim que esse pensamento passa pela minha cabeça, o pensamento de que talvez só seja impressão, um cara puxa minha bolsa. Que ironia, se eu não estivesse tão assustada soltaria umas risadas e até contaria a piada pro meu novo amigo. Então ele puxa minha bolsa novamente e eu puxo de volta.
   “Só têm absorventes aí! Não puxa, não.”
    Eu não ligo pra bolsa, até ligo mais para os absorventes que estão nela. O problema são meus pais, eu disse que tinha carona. Se eu perdesse a bolsa eles me perdoariam, mas mentir? Jamais. Então, quando vejo, o amiguinho tá abrindo minha bolsa, vasculhando tudo. Pega os chicletes e eu penso: droga, bem que ele podia deixar um. Já que comida japonesa deixa com um cheiro dos infernos na boca.
    “Obrigado. Um prazer negociar com você.” O amiguinho diz, sua voz é nasal e um pouco irritante. Fico espantada que um ladrão saiba falar tão bem, eu esperava mais um “valeu tia, foi bom pegar seus chiclete”.
     Sorrio e pego minha bolsa. Meu celular estava escondido na minha calça, com o dinheiro dentro da capinha protetora, então está intacto, assim como os absorventes, meu RG e a bolsa em si.
    Uma pena que meus chicletinhos se foram. Sentirei falta deles, com certeza. Então a balanço um pouco, pra checar se falta algo e depois fecho, seguindo para o Goncha Center. Aí sinto uma mão me puxando, bufo e viro rapidamente.
    “OH CRISTO HOJE É O DIA” Penso, mas não solto nenhuma, n.e.n.h.u.m.a palavra e/ou reação quando vejo um menino gato, com sardas (você não imagina como é difícil ver um menino com sardas por aqui), segurando... minha nécessaire de absorventes.
   “É seu?” Ele diz enquanto lança um meio sorriso. O meio sorriso. Não deu pra entender, pois o “o” estava no início da frase, mas ele lança O meio sorriso. Entendeu? O meio sorriso, O. Fiquem calmas, leitoras cheias de hormônios, ele está com a minha nécessaire em suas mãos. Minha nécessaire com absorventes e meu RG.
     “A-hãm. Não.” Sorrio. Sim, é meu, mas pra que absorvente ou um RG quando se tem um gato ruivo e sardento sorrindo maravilhosamente na sua frente?
     “Você tipo parece a menina do RG.” Ele olha pra baixo e solta um riso. “Camille?”
Ah, puxa. Ah, bosta. Ah, bem que eu podia sair correndo.
     Pego a nécessaire, finjo examinar, abro, pego meu RG e sorrio pro gato.
     “Isso, Camille. Bem, obrigada.” Minha vontade é pedir seu telefone, mas... não. Não quero esse futuro pros meus filhos.
    “Mamãe, como você conheceu o papai?” Meu filho imaginário pergunta.
    “Ah, eu fui assaltada por um ladrão com vocabulário vasto e deixei meus absorventes caírem no chão junto com meu RG. Seu pai achou e me entregou depois de eu mentir falando que não era minha nécessaire.” Eu adulta imaginária respondo.
    O maior problema talvez nem sejam os absorventes, mas minha foto do RG é terrível também. Pareço uma criaturinha desnutrida. Acho que eu não sabia o que era pentear ou maquiar.
Então ele coloca as mãos nos bolsos, dá dois passos para trás.
    “Obrig...” Eu começo a falar, mas sou interrompida pelo LINDO, com TODAS AS LETRAS MAIÚSCULAS por que está sendo necessário, som da sua voz.
    “Me passa seu celular, tipo... o número.” Ele sorri. Eu derreto. Então fico em dúvida... Se passo um número qualquer ou se explico por que não posso passar. Você entende por que não posso passar meu celular, certo? Óbvio que sim.
      Ou talvez não, portanto vou repetir: Meu futuro não pode ser construído numa situação horrível como essa. Ele achou meus absorventes no chão e viu a foto de criança desnutrida que um dia eu fui.
     Ah, como nunca vou vê-lo novamente (espero que não) explico que:
     “Não posso fazer isso com nossos filhos. Desculpa. Você é bem gato, não me leve a mal, mas se eu te beijasse ia somente pensar nos meus absorventes e nos meus chiclet...”
Ele me interrompe, de novo.
     “Eram absorventes?” Ele ri. “Tipo... Olhei rápido e pensei que eram lenços de papel. Tipo os que nós usamos quando estamos grip...”
     E ele fala mais sobre sua gripe, minha gripe, a gripe que nunca vamos ter juntos (ok, sobre isso ele não fala realmente, mas está subentendido) por que eu falei demais.
Ele nem sabia que eram absorventes! Era o destino sim, batendo a minha porta, esmurrando minha porta, chutando, quebrando, amassando e eu bati, esmurrei, chutei, quebrei e amassei meu destino... Disse ao meu destino, praticamente, que eu era a Cinderela do absorvente perdido e que não havia necessidade alguma de casar com o ruivo sardento mais gato dessa cidade.
    “Tipo... isso é estranho. Quem falou em filhos?” Ele ri. Dessa vez muito. “É, tipo... boa sorte aí com...” E ele faz barulho de água. Menstruação não faz som de água, ele tirou essa idéia do mesmo lugar que tirei nossos filhos.
    Então sorrio e continuo meu caminho. Durante uns dez minutos olhando pra trás, só pra checar se nenhum absorvente ou RG de alguma criança desnutrida estava pelo chão.
    Ele é tão lindo e tão alto, tão ruivo e tão sardento que não ligaria de ter que escutar dois “tipo” a cada quatro palavras que ele falasse. E bem... lembra o papo de “ah, como nunca vou vê-lo novamente”? Eu estava errada.
    Dez dias depois o vi. Na farmácia. Enquanto eu comprava, adivinha o que? Absorventes. E ele, adivinha o que? Dois pacotinhos de camisinha. Por isso ele tem uma vida sexual ativa e eu não, por que ele não derruba seus absorventes pela rua, como um “João e Maria” da atualidade.
    Você! Você que não conhece João e Maria e a linda história de superação deles, você que está interessado em João ou em Maria, o seguinte texto é pra voooooo...cê:
“Umas coisas que não interessam aconteceram e a mãe de João e Maria resolveu mandar eles irem colher amoras na floresta... Enquanto eles iam para a floresta, iam jogando migalhas de pão para não se perderem. Quando vão voltar para a casa as migalhas foram comidas pelos pássaros então eles acabam se perdendo. Querendo achar o caminho de volta pra casa João acaba achando uma casa feita de doces e chama Maria, com fome, eles começam a comer as guloseimas da casa quando aparece uma velha (bruxa) e chama eles para entrar e acontece outras coisas que não interessam.”
    Óbvio que o gato sardento me viu na farmácia e riu sozinho. Faço uma lista mental: 
(1) Nunca fale para algum menino sobre seus planos para o futuro maravilhoso de vocês.
(2) Nunca derrube absorventes no chão. Eles não vão te ajudar a achar o caminho de volta para casa.
(3) As vezes é melhor atrapalhar o trabalho dos seus pais e ir de carro do que pegar uma carona imaginária para a vergonhalândia.
     Acrescento um “pelo menos não nos primeiros minutos depois de se conhecerem” no item 1.

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