Meu Vampiro Vegetariano

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“Como você fez isso? Depois de três horas de festa você continua cheirosa.” Ele coloca as mãos em seu rosto, apoiando os cotovelos nos joelhos. “E gata.”

Sorrio. Não por que estou feliz com o elogio ou por que achei legal continuar cheirosa, mas sim por que não havia outra reação que eu pudesse transmitir já que o Noah, pra mim, sempre foi o tipo de amigo que bem... Faz elogio de tia, iguais àqueles em casa e não o tipo de amigo que diz que você tá “gata”. 

“Gente, não entendendo isso.” Luka diz. “Noah, o qual ta acontecendo? Jogando sua charme pra...” Ouvimos o som de uma buzina. “Eu ta sóbria já, né?” Luka diz, botando a mulher que existe nele para fora. Literalmente. Depois de oito minutos sem parar de vomitar, vomitar, vomitar enquanto ouvia (ouvíamos) sua mãe gritar, gritar, gritar, Luka conseguiu se restabelecer e levantar (com ajuda, é claro). O silêncio e o fedor dominam o carro, tudo que escutamos é o vento entrando pelas janelas. Deus abençoe o ar puro. Mari às vezes diz uma palavra ou outra, tentando puxar assunto, mas em vão.

Então Noah derruba seu celular ao lado do meu pé, tento ajudá-lo, mas ficamos sem jeito e o que me resta é ligar o flash do meu celular para ajudá-lo a enxergar. Quando vai pegar seu telefone Noah encosta, sem querer provavelmente, a mão na minha perna e agradeço ao meu “ritual” pré-festa por tê-la raspado. Ainda me referindo ao fato dele ter esbarrado em mim digo “gelado” o fazendo rir.

“Diga... o que eu sou? Diga alto e claro.” Noah responde, sorrindo. Esse é o momento que você, caro leitor, pensa como seria poético e piegas eu responder “gato”, mas claramente não sou o tipo de pessoa que faria isso. Noah quer fazer cinema, ele adora filmes, vídeos e sempre está gravando alguém fazendo coisas desinteressantes, por isso tantas vezes se refere a filmes e por isso citei Crepúsculo agora.

“Um lobisomem?” Sorrio, o fazendo sorrir também e exclamar que errei e que ele era um vampiro vegetariano.

Chego em casa um pouco mais aliviada do clima ter ficado menos tenso entre Noah e eu.

Tão importante quanto meu ritual pré-festa é o pós-festa. Tomo banho, tiro a maquiagem, faço um lanche e vou pra cama. 

“noab: desculpa por hj, n quis te deixar constrangida só pq to afim de vc”

Assim que leio a mensagem abro um sorriso. “Noab”. Quando o conheci não entendi seu nome e adicionei no meu celular como “Noab” e somente um mês depois descobri como fala e escreve. Paro de sorrir assim que me dou conta de que o que eu recebi não era tão agradável, era Noah (com h) dizendo que estava afim de mim. Droga. Não vou agir como se Noah gostar de mim fosse uma tragédia. Muito pelo contrário, eu beijaria Noah. Dez, vinte vezes. Então por que não? Vamos a uma lista mental dos prós e contras de beijá-lo, começando pelos prós:

(1) Ele é gato;

(2) E gostoso (e com gostoso eu quero dizer bem apetecível, muito mesmo);

(3) Ah, tem um sorriso bem legal;

(4) Tem um bom gosto pra filmes;

(5) E boas piadas;

(6) Ele é inteligente;

(7) Ia gostar de ser meu Romeu, meu Wall-E e até meu Shrek;

(8) Nossos filhos seriam lindos, asiáticos e com cabelo ondulado.

Agora contras:

(1) Eu quero um amor, mas penso se eu passaria o resto da minha vida com Noah;

(2) Se não der certo vai acabar com a nossa amizade;

(3) Ele seria um menino que beijei que eu veria todos os dias.

Sendo assim, o resultado final foi oito a três para os prós. Esforcei-me pra encontrar mais contras, mas nada que fosse relevante vinha a minha cabeça. Digitei “kkk tdo bem noah, eu ja tinha até esquecido kkk, mas agr q vc falou q ta afim de mim piorou kkkk”, mas a quantidade de “k” era exorbitante e achei melhor reescrever para que ele não visse uma oportunidade de contar alguma piada como “quanto potássio aí, hein”. Então ri somente o necessário.

“kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk tdo bem noah eu já tinha eskkkkkkkkkkkkecido”

Mentira. No fim enviei somente um par de potássios (não aguentei, precisei fazer essa piada).

“camille: ah noah, n sabia disso de vc ser afim de mim kk”

E, em segundos ele respondeu.

“noab: desculpa dnv, eh q as chances de atingir o alvo aumentam drasticamente quando vc aponta pra ele... precisei apontar kkk”

“camille: e atirar... sou um alvo?”

“noab: nao, vc é gata... tenho a impressao de q eu já disse isso”

Em seguida eu ri e disse boa noite. E ele disse boa noite.

Acordei achando que iria a escola, mas fiquei feliz ao perceber que não teria que enfrentar o clima provavelmente carregado que estaria entre eu e Noah. Liguei para Luka, expliquei tudo e não obtive resposta alguma. Alguns xingamentos, gemidos e reclamações de dor de cabeça. Ressaca sendo minha inimiga até quando não fui eu quem bebeu.
 “Sai com ele hoje, vê como você se sente... Se for legal dá uns beijos por que ele é gatinho!”

Minha mãe disse quando pedi sua opinião. Penso em quando me dizem “escute seus pais” ou “faça o que eles acharem melhor”. E como sempre ignoro ou faço o contrário do que eles disseram e, no fim, chego à conclusão de que realmente devia ter escutado e feito o que eles mandaram.

Então decido que, pelo menos dessa vez, vou obedecer minha mãe, por mais que ela tenha utilizado “dar uns beijos” e “gatinho” na mesma frase. Noah me chama, como eu esperava, perguntando se tenho algo pra fazer e eu digo que não.

“noab: no old screen ta passando moulin rouge, vc ja viu?”

“camille: ja, mas veria dnv”

“noab: passo ai cinco da tarde, bjo”

Old Screen é um cinema onde passam filmes antigos ou que não são lançamentos, a pipoca de lá é boa e as cadeiras também. Com o tempo percebi que esse é o lugar preferido de Noah.

São quatro e meia e já estou pronta. São quatro e meia e Luka não respondeu nenhuma das minhas treze mensagens.

Penso em passar em sua casa depois do cinema não só para contar como tudo ocorreu, mas também para verificar se ele tá bem, acho que é sua pior ressaca do ano. Uma ressaca nível dez, nota zero.

Ouço o som do interfone, minha mãe atende e diz que Noah está me esperando lá embaixo. Desço pelo elevador social que tem um espelho enorme onde me olho e puxo, empurro, estico e arrumo meu cabelo e rosto até escutar a voz da moça do elevador (a qual eu apelidei de Glenda) dizendo “térreo”.

Vou até a porta, olho meu reflexo e a abro. Sorrio quando o vejo e ele sorri pra mim.
Muitas esperariam um Noah com flores, por um momento até eu esperei isso, mas quando o vi com um par de ingressos em uma mão e sua câmera em outra não pude ficar mais feliz. Ele estava me gravando indo a sua direção.

“Só to te gravando por que é o primeiro encontro. Não espere isso nos próximos.” Ele sorri, desligando a câmera.

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