O mundo da moda pode ser dividido em dois grandes impérios. O império que cria as peças, e o império que possui o poder de ditar quais destas peças serão tendências memoráveis e quais serão lançadas no limbo do esquecimento. Podendo levar à glória ou ao fracasso em uma fração de segundos, a apenas uma matéria de revista de distância. Hoje em dia, esses impérios são governados por duas mulheres idênticas fisicamente, mas completamente diferentes em personalidade e princípios. Cada uma com uma experiência de vida distinta. A uma, tudo foi dado. A outra, conquistado. Separadas pelo prematuro divórcio dos pais, os ambientes em que cresceram fizeram de cada uma das mulheres o que são hoje em dia.
Miranda Priestly construiu ao longo do tempo, com grande dedicação, abdicações e muito trabalho árduo, o seu próprio império em Nova York. Sob a guarda da mãe quando era muito menor – a londrina de origem humilde, Marian Priestly –, e quando ainda morava em seu país natal, a jovem Priestly houvera batalhado desde cedo em Londres para que conquistasse o poder que agora obtinha em suas mãos. E não era pouco poder. Miranda poderia acabar com o trabalho de um estilista em poucos minutos, se não gostasse de sua coleção. Ou poderia torná-lo a mais nova tendência do momento, se ela se agradasse. Suas opiniões não eram apenas ouvidas, eram requisitadas, necessitadas. Como se todos silenciosamente esperassem por sua preciosa, e muitas vezes rara, aprovação. E ao longo do percurso para a obtenção do almejado sucesso profissional, os caminhos haviam moldado seu gélido e misterioso coração e espírito. O mundo conhecia sua carreira como editora-chefe da famosa e mundialmente reconhecida, revista Runway, e todo o seu trabalho ao longo dos anos, mas não conhecia os mistérios que rondavam a mulher de famosos cabelos prateados.
Dee Dee Allen, que recusava desde jovem a carregar o sobrenome de sua mãe, após o divórcio havia ficado sob a guarda do pai, a parte da família bem-sucedida financeiramente e de status bem estabelecido na França. A vida de Dee Dee, sempre fora demasiadamente muito mais fácil de que a vida de sua irmã gêmea. E ela nunca reclamou disso, muito pelo contrário. Dee Dee, que renegava não somente o sobrenome da mãe, mas também que nunca revelava seu nome verdadeiro, havia aproveitado sua juventude no meio da alta sociedade parisiense da melhor forma que podia. Festas, reuniões, bailes beneficentes, todos os eventos contavam com a presença da extravagante, animada e festiva Dee Dee Allen. Sua carreira como estilista havia se consolidado rapidamente e com sucesso imediato, apesar de algumas turbulências e instabilidades depois das três grandes primeiras coleções. O mundo conhecia tudo sobre a ruiva estilista. E nada ao mesmo tempo.
Mesmo crescendo a quilômetros de distância, o destino continuava a unir o caminho das irmãs gêmeas, como se buscasse corrigir um erro do passado cometido há muito tempo. E ele as uniria uma vez mais. Uma silenciosa disputa que acarretaria na reconciliação definitiva ou na destruição de ambas, o resultado dependeria das decisões de cada uma. Miranda reconhecia as peças que o destino continuava a pregar nela ao longo dos anos. Reconhecia e ignorava toda vez. Mas desta vez era diferente. Desta vez, ela precisava ceder e cobrar algo que há muito tempo havia feito para a irmã. Era a sua vez. E ela não abriria mão.
A editora-chefe encara o relógio digital na tela de fortes luzes emitidas pelo macbook prateado, e fita impacientemente os minutos se estenderem. Era exatamente uma e vinte da manhã. Paris está seis horas a frente de Nova York, e ela havia esperado ansiosamente o horário para realizar a ligação internacional. Havia revisado o Livro pelo menos três vezes e adiantado diversas tarefas do próximo dia. Já que sacrificaria preciosas horas de sua vida para aguardar por aquela mulher, que ao menos a tornassem produtivas. Ela remexe nos claros cabelos, bagunçando delicadamente o penteado que antes estivera ali. Uma e meia da manhã. Ela se ajeita na cadeira e respira profundamente, encarando de sua sala, os vazios e escuros corredores da revista. Uma pessoa qualquer que não a conhecesse e a visse sentada em seu escritório naquele horário, pensaria que ela havia enlouquecido. Ou que era uma completa viciada em trabalho – o que não era mentira. Mas todos a conheciam, e sabiam que para Miranda Priestly, nunca era demais. Ao menos, costumava não ser.
A mulher de cabelos platinados inspira fortemente, preparando-se da melhor forma que poderia para ouvir a outra pessoa do outro lado da linha. Ela odiava ter de fazer isso. Odiava depender de outra pessoa, ainda mais depender dela. Mas não havia escolha. Precisava fazer. Miranda pega o celular que estava apoiado sobre a elegante mesa de tampo de vidro de sua sala, e disca rapidamente o número desejado. A semelhança da voz só não a faz estremecer mais, porque o tom era claramente mais alto e agudo que o dela. Sem contar o sotaque francês que havia se instalado devido aos longos anos em Paris.
– Merde. Faz ideia de que horas são, Priestly? – A mulher protesta do outro lado do mundo. A voz ainda embargada de sono, mas o jeito que ela pronunciava o sobrenome da editora-chefe, carregava um misto de desdém e...
– Sem show, Mercedes. Eu sei muito bem que horas são, eu fiz o sacrifício maior aqui. – Miranda diz com o tom de voz baixo e moderado, mas não menos cortante, encarando a hora na tela de seu laptop. Mas ela não se referia apenas ao horário.
– Não. Me. Chame. Desta. Forma. – Ela rebate pausadamente.
– Eu chamo do jeito que eu bem desejar. Devo refrescar sua memória de quem está no comando desta situação? – O tom da mulher de cabelos platinados era ainda mais baixo e ameaçador.
Do outro lado da linha, a mulher engole em seco. Sabia o que estava em jogo, e sabia que mais cedo ou mais tarde, seria cobrada.
– Finalmente programou a data? – Pergunta, cedendo ao seu inevitável destino.
– É óbvio, por que mais acha que eu perderia meu tempo contatando você? – As palavras saem rápidas e afiadas, como uma adaga.
– Ótimo. Vamos acabar logo com isso. Estarei semana que vem em Nova York. Mais alguma instrução, vossa majestade? – Ela zomba.
– Sim. – Miranda faz uma pausa. O tom ameaçador manifestando-se novamente. Mas não como segundos atrás, como determinada vez no passado. E a irmã sabia que quaisquer fossem as ordens que estavam a serem proferidas, era melhor levar a sério e acatar. Sabia do que sua gêmea poderia ser capaz, e sabia que ela possuía o necessário para realizá-lo. Mas afinal, poderia culpá-la? A mulher de cabelos platinados inspira rapidamente, e por fim faz sua última exigência. – Fique longe de Andrea Sachs. – A linha fica muda, indicando o final da breve ligação.
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The Other Priestly
Fiksi PenggemarQuanto uma semelhança inacreditável poderia unir duas pessoas? Quanto uma diferença irreconciliável poderia separá-las? Há muito tempo, os laços entre as irmãs gêmeas Miranda Priestly, editora-chefe da revista de moda mais importante do mundo, e Dee...