24. Lopes

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JADE LOPES

Amazônia, Amazonas, Brasil.

13 de dezembro de 2018

Manhã
- Já estamos prontos? - pergunta Vítor pela milésima vez. - Quero partir logo, estou ansioso para ver como é Artrópota. Não é incrível? Vamos finalmente conhecer algo literalmente lendário! Mal vejo a hora de...

- Vítor! - interrompo. - Haha! Se acalme, primo. Ainda vamos esperar mais um pouco para ir, papai acabou de falar isso.

Ele se move de um lado para o outro, ansioso, o que me deixa impaciente. Não quero bancar a chata, mas já esperamos 17 anos, podemos esperar mais umas horas. Ah... O sonho artropotano. Será que há algum tamasiano que não seja vislumbrado por Artrópota? Se há, não sei, mas sei que nenhum é tão vislumbrado quanto meu primo Vítor. Para ele, Artrópota nada mais é do que o próprio paraíso na Terra, no maior estilo panfleto religioso, com pessoas abraçadas com tigres, numa grande planície verde e fazendo piquenique. Se bem que a imagem que os tamasianos passam de Artrópota é justamente essa: de paraíso. Redenção, recomeço... Vida nova. E é essa imagem que foi passada para Vítor por todos os anos em que sua mãe esteve ao seu lado. Ninguém sabe bem o que houve com Miranda... Papai, seu irmão, diz que ela fugiu por não aguentar mais os abusos do marido. Já meu tio, diz que ela fugiu para tentar a vida em outro lugar e ao lado de outro homem.

O que quer que tenha sido, mexeu muito com a família Saldanha. Klaus mergulhou ainda mais num alcoolismo desenfreado e deixou Vítor a Deus dará. Meus pais, Pedro Gonçalves e Lisandra Lopes, o tomaram como filho desde os seus 8 anos e fomos criados como irmãos aqui, longe de tudo e de todos, no coração da Floresta Amazônica brasileira.

Moramos nós 5 numa casa com sua própria barreira de energia. Se tornou uma tecnologia comum entre os colaboradores artro-tamasianos, ainda mais pelo fato de meus pais trabalharem com biomedicina, contribuindo para pesquisas e avanços. Eles, assim como Klaus e Miranda, são alguns dos tamasianos que vieram se instalar no Mundo Externo. Escolheram a floresta brasileira devido a diversidade sem igual de fauna e flora, além da proteção que um lugar longe dos grandes centros oferece. Assim, Vítor e eu nascemos e crescemos aqui, então, por mais que eu saiba de toda a história dos Escorpiões e dos perigos que eles oferecem, não estou muito animada em deixar tudo isso pra trás.

※※※

V

ítor e eu estamos na sacada do segundo andar observando meu tio Klaus, que está no limite da barreira. Não é grande como as barreiras de Tâmasus ou Artrópota, é suficiente para proteger nossa casa e o quintal. Tio Klaus está se automutilando. Quando não se tem a chave de certa barreira e se aproxima demais dela a ponto de tocá-la, ela gera uma onda de calor ou eletricidade capaz de matar. Porém, a barreira que nos protege não é letal justamente pelos destemperos de Klaus, que, bêbado, a bate com os antebraços e punhos até cair de cansaço. Essas partes de seu corpo têm cicatrizes de queimaduras feias que saram com dificuldade, devida a frequência de seu ato autodestrutivo.

Papai sai enfurecido do primeiro andar a avança em Klaus:

- Já falei pra parar com isso! Quer que a barreira se danifique para sermos expostos? Vai acabar dando pane no sistema!

- Que diferença faz, se vamos todos morrer mesmo? - responde Klaus com palavras arrastadas. - Só vamos ter paz mortos!

Papai se vira para nós, preocupado se ouvimos as palavras indesejadas do meu tio. Aceno com a cabeça negativamente. Por mais que seja horrível, já estamos acostumados. Sem bebida, Klaus já tentou de tudo: suicídio, homicídio, ameaçou a Vítor... Então meus pais decidiram deixar ele de mão. Eles ajudam com remédios, mas deixam a responsabilidade por conta de Klaus. Não acho que seja uma boa atitude. Mesmo sendo um homem forte e sadio, ele está doente, viciado.

Artrópota: Árvore-MármoreOnde histórias criam vida. Descubra agora