Prológo

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Eu me lembrava que o fogo dançava no ar abafado daquela noite de verão

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Eu me lembrava que o fogo dançava no ar abafado daquela noite de verão. As chamas pairavam como um véu solto ao vento, balançando para lá e para cá, desaparecendo em pequenos pontos de luz que poderiam facilmente misturar-se aos vaga-lumes zombeteiros que voavam por ali.
Na minha cabeça dolorida, a lembrança da fogueira que o papai fez na praia de Búzios quando éramos crianças, era a memória mais pulsante, como se eu pudesse ouvir o fogo estalando e as ondas do mar se quebrando na areia quente.
Pensar nisso era muito melhor que pensar no acidente.
Eu queria voltar para o dia da praia, para quando tudo era fácil, para os momentos em que tudo tinha cor, e não uma nuvem cinza pairando sobre mim.

Abrir os olhos parecia um esforço deveras violento, mas me forcei a fazê-lo, porque a ansiedade desordenava minhas batidas cardíacas e eu não suportava mais ficar dormindo, distante da realidade, fraca.

Minhas vistas estavam turvas, como se eu estivesse embaixo d'água por muito tempo e tivesse submergido; os olhos queimando, as pupilas dilatando e a cabeça pinicando em pequenos e latentes golpes de dor.
Respirar já era difícil.

Meus pulmões ardiam feito labaredas acesas e minha barriga era um poço de cacos de vidros estilhaçados, me perfurando de dentro pra fora, rompendo minhas entranhas e fazendo o sangue escorrer.
Dor e mais dor.

Mantive os olhos abertos e fitei o teto cinza, bem como o ventilador que girava devagar, lavando meu rosto com um vento morno; o estalar das hélices era o único barulho do ambiente impessoal que me abrigava.

Virei o rosto um pouquinho para o lado e minha bochecha raspou na fronha de seda.

Pisquei os olhos devagar e engoli a pouca saliva que tinha, lubrificando a minha garganta para poder formular uma palavra pelo menos, algo que me ajudasse a sanar as dúvidas barulhentas que vagueavam pelas minhas lembranças dolorosas.
Eu precisava de respostas.

E ele ainda estava lá. Estava sentado numa cadeira ao lado da cama, lendo.

Eu reconhecia aquele livro, porque sempre foi um dos meus favoritos. O Morro dos Ventos Uivantes.
Talvez, em outro momento, eu recobrasse cada frase histórica do enredo e, quem sabe, sentisse os pelos do meu corpo se arrepiar com o amor febril e violento dos protagonistas.

Eu quis chamar o nome dele, mas eu não sabia. Só sabia que todas as vezes que acordei, ele estava bem ali ou na janela, sempre por perto, sempre me observando.
Sequer reconheceria sua voz, porque não me lembrava de tê-la ouvido.
Minhas lembranças sobre ele eram vagas.

Mas sempre que eu despertava, eu o via.

─ Você acordou. – Ele disse, deixando o livro de lado e descruzando as pernas, levantando da poltrona e vindo sentar-se na beirada do colchão. ─ Como se sente?

Passei a língua pelos lábios e engoli a saliva de novo.

─ Onde eu estou?

Ele tomou minha mão na sua e checou minha pulsação, olhando para o relógio que tinha no pulso e depois assentindo para si mesmo.

Monarquia dos Cafajestes (Pausada)Onde histórias criam vida. Descubra agora