SEM CORAÇÃO.

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Narrador

Brunna estava deitada de bruços no sofá, uma das pernas sobre o assento e a outra despreocupadamente jogada no chão, junto de seu braço esquerdo. Na televisão, uma de suas séries favoritas reprisava enquanto a garota lutava contra suas pálpebras, tentando mantê-las abertas. Foi então que em um susto, ouviu a porta da sala sendo aberta de uma forma nada delicada. Se levanta rapidamente, tentando assimilar a imagem que via a sua frente: uma Ludmilla completamente ensopada, com as roupas molhadas, o cabelo pingando e uma cara de pouquíssimos amigos. Em suas mãos, haviam três sacolas, uma de cada lado, que mais pareciam bolsas cheias de água.

- O que aconteceu com você? - Ela pergunta, se ajeitando sobre o sofá.

- O que você acha? - A maior responde, ácida.

Só então Brunna se da conta, olha para a janela e vê, do lado de fora da casa, uma verdadeira tempestade. O vento balança brutalmente os galhos das árvores, relâmpagos cortam o céu a todo momento e os pingos de chuva mais parecem pedras, de tão pesados.

- Bem que avisaram que iria ter uma chuva daquelas hoje. - Ela pensa alto.

- Quem avisou?

A menor se assusta levemente ao ouvir a voz alta e grossa soar atrás de si.

- No jornal. Você não viu?

- Ah, claro que vi! - Responde cinicamente. - Obviamente eu iria sair pra ir na porra do mercado mesmo sabendo que iria cair o mundo, não é mesmo?!

- Você sabe que não precisa ser mal educada com as pessoas o tempo todo, não é?

Ludmilla pensa em responder afim de provar que poderia ser pior do que aquilo, mas opta por somente fechar a cara e dar meia volta, subindo as escadas. Ao entrar em seu quarto, fecha a porta com o pé, fazendo as paredes tremeram, tentando se livrar de ao menos um por cento de toda sua raiva.

No andar de baixo da casa, Brunna ainda se mantinha parada, um tanto quanto assustada com a reação da mulher e com sua própria resposta atravessada. Porém, estava ficando cada vez mais fácil usar de sua ousadia como auto defesa. A garota havia decidido que não aceitaria mais nenhum tipo de maldade vinda de quem quer que fosse e faria o máximo que pudesse para exigir o respeito que acreditava merecer.

Aproveitando que estava acordada, levantou-se e caminhou até a bancada da cozinha aonde as sacolas haviam sido postas e deu uma olhada nas compras. Finalmente se acostumou com a idéia, pensou ela. Três semanas se passaram desde que a garota chegara a pequena cidade e se instalara na casa com sua atroz guarda costas. Ludmilla não era fácil. Grosseira e indomável, demorou a se adaptar ao fato de que por um bom tempo, ficaria totalmente a disposição da escritora. Tinha feito um juramento e teria que obedecê-lo, gostasse ou não.

Uma por uma, tirou as compras das sacolas e as guardou em seus devidos lugares. Brunna se deixou sorrir levemente quando percebeu que no meio das compras, em um sacola diferente, havia um pacote de carne de soja. Ludmilla havia enfim lembrado que a garota não consumia quase nenhum tipo de produto animal e fez um certo agrado. Brunna sabia que esse agrado viria regado de comentários grosseiros e cínicos, mas não se importava, afinal, Ludmilla havia lembrado e comprou algo diferente e difícil de ser encontrado, ao menos na pequena cidade.

- A brutamontes não é tão bruta assim... - Cochichou para si mesma ainda com o leve traço de felicidade em seu rosto.

- Deu pra falar sozinha agora? - A voz rude e rouca surge no cômodo e a garota da um leve salto.

Estava começando a se acostumar com sua mania de sempre aparecer de repente.

- Sim, estou. - Ela rebate, virando-se para a mulher. Sua voz some por alguns instantes quando a vê somente de calça de moletom cinza e um top. A barriga definida de fora e os braços torneados e musculosos lhe roubaram a atenção e sentiu um leve frio na boca do estômago. - Tenho que falar sozinha, já que não tenho ninguém com quem possa conversar aqui. - Recupera-se de seu estado hipnótico e volta a confronta-la.

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