Prólogo: O amanhã.

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2026. Um ano cruel e decisivo, as consequências da humanidade mostravam as caras naquele jogo sujo e impiedoso que a sociedade exibia sem a menor vergonha. O que antes eram problemas sociais ligados a violência, discriminação e economia, logo foram esquecidos pelos problemas com validade.

A falta de água jazia nos países de terceiro mundo e os períodos de seca passaram a ser definitivos. Enquanto isso, a educação avançava gradativamente por jovens que inspiravam nações inteiras e Mark Tomlinson era um deles. O rapaz de princípios encantava a todos com diálogos prepotentes e era uma atração em jantares organizados pela família. Após a faculdade ter chegado ao fim, seus pais decidiram que estava na hora de levar o patrimônio familiar adiante e foi aí que conheceu Johanna, filha de um estimado sócio de seu pai e uma astrônoma incrível.

Entre as indiferenças e as expressões de repulsão, o noivado não demorou a surgir e com ele, a ternura e a independência da mulher o conquistara dia após dia.

O início de seu casório com a moça deu luz a Louis, um garoto libertador com um espírito energético acompanhado de sua determinação estupenda, seus olhos eram selvagens e escondiam suas inseguranças. Tivera uma infância simples e calma, cresceu numa fazenda ouvindo o canto dos pássaros e o barulho das águas do pequeno lago a frente de sua casa.

O menino fora criado pelos avós e pela mãe sem a presença paternal e recebia aulas particulares na biblioteca da mansão, cujo pai saíra em viagem por meses e apenas ligava para a esposa pelo pressentimento de que tinha um compromisso com a educação da criança.

A influência de seus pais sob o conhecimento e os estudos veio de maneira precoce e apesar das inúmeras estrelas o encantarem naquela escuridão frequente assim como seus progenitores, o sentimento de vazio continuava a apertar em seu peito.

O infinito céu azul que o lembrara de sua existência no enorme globo onde habitara era profundo demais para o seu pequeno corpo. E, a vida nunca parecera tão egoísta e apócrifa quanto naquele momento em que deslumbrava a imensidão das nuvens desaparecendo ao que a lua se mostrara no interior do campo esverdeado, levando consigo a sua confiança e o seu doce sorriso.

Sua adolescência chegou de modo conturbado seguido de uma incompreensão por parte de Mark, o mesmo se tornara um senhor de contratos e interesses duvidosos, a mente brilhante era resultado de um casamento próspero e um segredo mútuo pelas paredes finas da grande mansão. Embora o amor que sentira pela mulher, seu filho fora deixado de lado em causa do insaciável vício nas pilhas de papéis escondidas pela porta de seu escritório.

Ao fim do verão turbulento de 2042, sua mãe passara a ter uma doença genética rara que afetava sua respiração. O governo inglês estava a ponto de desmoronar com a pressão popular e a economia não favorecia a minoria e tão pouco aos engravatados que dedicavam 24 horas de seu dia em empresas de alto custo e renda. Crescido num ambiente familiar repleto de riquezas aguardando a hora de se rebelarem como herança para o jovem rapaz, Louis se encontrara com um semblante deprimente no quinto mês desde que Johanna descobrira que a desgraça não havia cura e a previsão para o seu leito estava se aproximando.

Conforme a saúde da senhora - agora com rugas e traços abatidos em sua pele rubra - se degradava, o aquecimento global se tornara uma pauta principal na sociedade, os noticiários falavam disso freneticamente, já que muitas pessoas estavam morrendo dia após dia em consequência da intensidade com que a temperatura da Terra ia aumentando.

E, na primavera de 2043 com as flores lutando pela sobrevivência, o clima seco formigando pelos dedos e o vento áspero passando pelas suas bochechas, sua mãe faleceu.

Logo que se deparou com a morte da figura maternal a sua preocupação diante do futuro nunca fizera tamanho sentido antes, mas naquela fração de segundos sentiu o peso da dor se forçando contra seus ombros, arrancando o mínimo vestígio de felicidade em seu coração e o olhar azulado nunca estivera tão vermelho em seu rosto. As lágrimas arrastando o sofrimento pelo seu pescoço e enforcando suas emoções com a angústia da perda.

Ao decorrer das estações e meses que se estendiam, seu foco se dispersara para os livros nas longas estantes da biblioteca onde passou boa parte da infância. Se distanciou completamente do pai conforme as viagens a negócios se tornavam intermináveis. Preferia estar acompanhado do cheiro inebriante do papel em contato com as mãos delicadas e brandas do que conversar com o progenitor que pouco se importava com seu estado, sequer o dirigindo a palavra nos quatro anos que se passaram depois da morte de Johanna.

Em seu décimo nono aniversário no ano de 2047, cercado por um caos social, ambiental e econômico irreversível graças ao episódio que adiantara a morte de sua mãe, Mark começou a construir a agência que mudaria a compreensão do mundo apenas por existir. Uma viagem para o espaço era feita por um foguete até aquele mísero momento, no entanto as pessoas não sabiam o que acontecia nos laboratórios subterrâneos no interior da Inglaterra, onde nenhum cidadão ousara pensar ou desconfiar que algo do tipo poderia acontecer debaixo do solo fértil.

O Tomlinson criara uma agência de viajantes espaciais - sendo válido ressaltar que fora um contrato ilegal apoiado por cientistas de toda a Europa - e de repente, o projeto "Resgate" havia sido iniciado com a menor das expectativas, seu plano era construir uma máquina que possibilitasse a viagem entre galáxias (ocasionalmente entre planetas em específico) e os requisitados viajantes consideravam sua invenção a mais arriscada possível, sobrando apenas o senhor Payne e a senhora Horan para contar história. E, logo antes que a construção pudesse ser autorizada pelos políticos governamentais, o pai do então rapaz de cristais azuis fora assassinado por um grupo de militares.

O jovem adulto que no momento se tornara teria que assumir o segredo que seu pai escondera até o último momento de sua vida e levar a herança da família adiante. Louis passara a obter todo controle de algo que não possuía sequer conhecimento e os sócios do recém falecido pouparam explicações.

Sua curiosidade apenas alimentou o seu dom pela liderança e quando menos notara, tinha total discernimento de que aquela agência tinha muito o que agregar. O menino que martirizava-se pela falta de qualidades estava finalmente descobrindo o seu lugar no mundo, ele desejava que as pessoas olhassem para as grandes descobertas e sentissem a mesma euforia impregnada em seu interior. Entretanto, não pudera dizer um terço do que gostaria, por mais que insistisse na ideia de expor a ideia aos outros sabia que a censura não permitiria e não poderia correr o risco de terminar como o pai ensanguentado em um beco qualquer de Londres.

O azulado escolhera obter a experiência que tanto almejava, viajou entre séculos e décadas, divagava pelas ruas e ruelas com o cheiro das indústrias e da poluição já cometida pelo homem adentrando seus poros. Ele simplesmente amava sentir-se um intruso naquela realidade que não pertencia e a rotina constante em que ao escurecer voltara para o mundo caótico que o esperava.

O ano era 2050 e agora, a Terra não vivia entre repúblicas ou ditaduras, mas sim numa Anarquia, não existira um presidente, um rei ou um ditador, apenas a população vibrando em uma desordem e desrespeito, não existia nem mesmo um sistema para ser quebrado, leis para serem descumpridas ou padrões para serem seguidos, era somente a humanidade se regredindo ora que fome os matara e não havia como mudar bilhões de pessoas, sendo assim as pessoas mais pobres viviam em busca de uma alimentação decente e do conforto de um lar enquanto os ricos continuavam a engrandecerem pela quantidade abundante de riquezas que preservavam.

A bagunça predominava nas cidades que antes eram movimentadas pelo comércio e Louis completara 22 anos, 7 anos desde a morte de Johanna e 2 anos desde que Mark fora assassinado, e ele estava radiante, não que o seu luto tivesse sido curto ou que fosse insensível, porém era um ano incrível para o viajante.

Ele conhecera Liam, filho de um antigo sócio de seu progenitor e um cientista prestativo, sua mente era uma divindade, havia tirado mestrado em física quântica e se adequado em tecnologia. A conversa fora memorável, as lamparinas iluminando o lugar, o couro tingido de vermelho nos bancos em frente ao balcão de madeira e as narinas aspirando o forte licor deixavam o bar agradável e aconchegante.

Quando a sexta-feira chegava, Louis ia naquele mesmo bar para ver o amigo que logo após a intimidade criada o apresentou Zayn, seu namorado desde o colegial e que por consequência do destino seguira carreira como professor de química e dava aulas para crianças afortunadas graças aos pais, ambos tinham uma relação harmônica e pareciam um casal ainda preso naquela paixão adolescente calorosa.

Foi a primeira vez em que pensara sobre relacionamentos amorosos: "Isso nunca vai acontecer comigo" pensara o jovem. Num mundo como aquele era difícil amar a si mesmo e ainda amar o próximo. E, se questionou, como poderia um viajante no tempo se preocupar tanto com o futuro? Ele simplesmente poderia vê-lo quando quisesse por mais horripilante que fosse. Então, ele finalmente entendeu que o seu maior medo não era o futuro de décadas ou séculos, mas sim o amanhã e sobre como somente menciona-lo já o deixara aflito em seus próprios pensamentos.

Talvez ele pudesse mudar isso, ele definitivamente queria mudar o mundo, a realidade e o ambiente em que vivia, ele desejava tanto que poderia se sacrificar apenas para vislumbrar o amanhã mais belo e acolhedor possível. E, Louis iria lutar por isso.


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