Ela tinha olhos verdes brilhantes.
E toda vez que nós acabavamos, ela acendia um cigarro e fumava lentamente me observando pelo espelho encardido em cima da mesinha, onde eu costumava deixar um aquário, até o peixe morrer.
— Você tem 30 minutos ainda!— Ela se inclinou olhando o relógio no pulso esquerdo aproximando o cigarro aceso perigosamente do colchão com a outra mão — Quer fazer mais alguma coisa?
— Você sabe que não!
— Eu sei... Mas eu não vou embora mesmo assim, não e porque sou puta que não cumpro os horário! E você pagou por uma hora e meia!
Ela se virou para mim sorrindo, como se a situação fosse muito divertida e não acontecesse com frequência, a fumaça esalando por entre os seus dentes.
— Certo, o critério é seu!
— " O critério é seu!"— Ela me imitou fazendo uma careta louca— Porque um moço todo engomadinho igual a você telefona pra mulheres como eu?
— Todos temos necessidades! — Respondi coçando a barba pontiaguda que seria raspada logo mais.
Ela se virou novamente para frente voltando a se olhar no espelho, movia o pescoço, como se tentasse achar um ângulo específico para seu rosto, algo que refletisse toda a beleza no centro da placa de vidro refletor descascando nas beiradas.
— O que tanto você olha no seu rosto?— Perguntei, estalando os dedos da mão e esfregando os pés um no outro por baixo do lençol.
— Não é pra mim que eu estou olhando!— Ela respondeu prontamente, procurando meu olhos no reflexo, encheu os pulmões de fumaça e deixou sair devagar.— Você está mais cansado que da outra vez!
— Eu tenho trabalhado muito!— disse pegando meu óculos na escrivaninha e realocando no topo do nariz. Devido ao miopia, somente com óculos, novas cores e formas seriam visíveis na imagem a minha frente.
Aquele era um ângulo perfeito, eu podia ver suas costas nuas, as pernas pressionadas contra o peito sendo abraçadas pelos braços numa posição fetal e o rosto refletido no espelho o encarando entre piscadas longas de sono.
— No que você trabalha?
— Eu sou professor, na faculdade!
— Mas agora é dezembro, porque você tá trabalhando?
— Eu também escrevo...
Ela olhou em volta, pousando as pálpebras pesadas sobre a escrivaninha bagunçada e cheia de papéis.
— Por isso tem tanta coisa empilhada alí, olha só um escritor...
— É, mas não é grande coisas! Eu tenho insônia a noite, durmo até às 2 da tarde, escrevo até às onze da noite e é só isso até às aulas retornarem!
— Você é professor, deve ser grande coisas sim! Sobre o que é?
— É sobre gente normal, tipo a gente, morrendo e nascendo, num lugar que eu inventei...
Ela concordou puxando os lençol azul piscina berrante que veio na roupa de cama do quarto assim que me mudei. Pousou os pés no chão e pegou o vestido pendurado perto do abajur vermelho, na mesa de cabeceira.
— Ainda não entendi porque continua me chamando!
— Eu só... Gostei de você, do seu trabalho, digamos assim!
— Do jeito que eu sento? Pode falar, eu sempre escuto umas coisas que não se escreve nos livros da universidade, isso seria um elogio!
Abaixei a cabeça intimidado. Escutei uma leve risada.
— Como você pode chamar uma prostituta e ser tímido a esse ponto ao mesmo tempo?
— Acho que sou uma pessoa muito dual!
— Eu não sei o que isso aí significa!
— Quer dizer que eu posso ser duas coisas! Como você!
— Eu? — ela ergueu os olhos em minha direção enquanto recolocava os sapatos.
— Sim, você é calma e engraçada ao mesmo tempo!
— Obrigada pelo elogio, eu não sei se sou calma ou só cansada! — ela sorriu novamente, eu tinha a impressão de que se eu não arrancasse aquele cigarro de seus dedos em alguns minutos aqueles dentes bonitos e brancos iriam ficar podres e cair .
— Posso perguntar uma coisa?
— Depende... Eu vou ficar ofendida?
— Não sei... — me encolhi de costas para ela subindo a calça embaixo do lençol o melhor que pude.
— Pergunta então, eu fiquei curiosa !
Parei o que estava fazendo, encarando seu rosto cor de telha, a boca semi aberta, os olhos semi cerrados, e tentando arrumar o cabelo com os dedos ao mesmo tempo que prestava atenção em mim.
— O seu nome...?
— Meu nome, você sabe que é Tequila!
— Esse não é o seu nome...
Rodeei a cama a acompanhando até a porta.
— Eu só queria saber...
— Você não precisa saber, é um cara legal! Nem precisar de mim você precisa! — colocou a mão na minha testa de forma carinhosa. Os olhos verdes um pouco mais abertos. A boca semi aberta mais próxima visível e tentadora, a boca dela me lembrou de um sonho de padaria desde a primeira vez que entrou no quarto, redonda e almofadada e desde então imaginava como seria com grãozinhos de açúcar colados nela, e se teria gosto de sonho.
— Eu acho que vou te beijar! — Disse soltando as palavras rápido, antes que eu as engolisse e não conseguisse proferi-las.
— Você sabe que puta não beija na boca não sabe?— Ela disse dando um passo atrás.
— Acontece que minha meia hora acabou de espirar! — apontei o meu próprio relógio de pulso que fazia um tic tac audível no quarto agora silencioso, onde nem nossas respirações ousavam ser mais altas.
Ela voltou um passo a frente, soltando a bolsa entre nosso pés. E durante exatos 4 segundos o beijo aconteceu, mal projetado, com meu nariz amassando o dela, e os lábios se encaixando de forma desconfortável por causa da força empregada no ato, um beijo feio, mas foi significativamente bonito e poderia ser descrito assim no papel, pelo significado e não pelo ato, que em si não importava muito. Os humanos encostamos as bocas, e isso significa algo, embora não seja necessariamente algo, o movimento em si não é nada quando não feito por dois humanos.
Ela se afastou com os olhos verdes mais abertos que nunca.
— Como é seu nome?— insisti.
Ela abriu a maçaneta me fazendo abaixar a cabeça por alguns segundos fitando meu próprio umbigo.
— Você não precisa dele pra me chamar, tem meu número e eu fico feliz em voltar amanhã!
Ela sorriu, fechou a porta e os passos firmes se distanciaram no corredor.
Me virei pra janela onde um trisca de sol surgia pro trás dos prédios. Os primeiros carros atravessavam a rua alguns andares abaixo.
Andei até a cama me jogando de bruços, onde dormiria até às 2 e ligaria pra ela depois das 11.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Músicas e Contos
Short StoryAs músicas já existem, mas eu, transformo elas em histórias!