Sexto

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Não dormiu naquela noite, ficou deitada, acordada, sentindo os segundos e os minutos se passando e se transformando em horas. Naruto estava certo, tinha medo da vida porque a vida lhe ensinara que seria punida se pedisse demais. Aprendera a não pedir absolutamente nada e, portanto, não arriscava. Negara-se a ter amigos, família, até mesmo o conforto básico de seu próprio lar, tudo porque tinha medo de correr o risco de ser ferida de novo.

Não fazia parte de seu caráter negar a verdade, assim olhou-a de frente. Sua mãe não era um exemplo de maternidade, o marido não tinha sido um marido típico. Ambos a magoaram profundamente, mas não devia ter afastado todo mundo por causa deles. Karin lhe oferecera amizade, mas Sakura recusara, desconfiada dos motivos dela. Aquela atitude era apenas uma justificativa de sua própria reação instintiva de se afastar sempre que alguém se aproximava. Precisava aprender a correr riscos ou sua vida seria apenas uma simulação, não importava quantos pacientes ajudasse. Precisava de ajuda tanto quanto Naruto.

Mas enfrentar a verdade e lidar com ela eram coisas muito diferentes. Só o pensamento de baixar suas defesas e deixar que alguém se aproximasse a deixava com náuseas. Mesmo as menores coisas eram mais do que jamais tivera e mais do que era capaz de lidar. Nunca partilhara risadinhas com uma amiga no meio da noite, nunca fora a uma festa, nunca aprendera a se socializar de maneira normal. Ficara de costas para a parede a vida inteira e a autoproteção era mais do que um hábito, era parte dela, embutida em suas células.

Talvez fosse incapaz de mudar, talvez o horror amargo de sua infância tivesse lhe alterado a psique tão drasticamente que jamais conseguiria se erguer acima do poço escuro de suas lembranças. Por um momento, teve uma visão do futuro, longo, triste e solitário, e um soluço seco moveu suas entranhas. Mas não chorou, embora os olhos queimassem dolorosamente. Por que desperdiçar lágrimas com os anos que se estendiam vazios diante dela até onde podia ver? Estava acostumada a ficar sozinha e, pelo menos, tinha seu trabalho. Podia tocar pessoas com o seu trabalho, dar-lhes esperança, ajudá-las, talvez não fosse o suficiente, mas certamente era melhor do que a destruição certa que a esperava se permitisse que alguém a ferisse de novo.

De repente, uma lembrança de Sasori surgiu em sua mente e quase gritou, as mãos se erguendo na escuridão para empurrá-lo para longe. A náusea se intensificou e precisou engolir com força, convulsivamente, para controlá-la. Por um momento, viu-se à beira de um abismo, as lembranças surgindo como morcegos que saíam de uma caverna escura e fétida para atacá-la, então cerrou os dentes para abafar o grito que se construía e estendeu a mão trêmula para acender a lâmpada da cabeceira. A luz espantou os horrores e ficou lá deitada, olhando as sombras.

Para lutar contra as lembranças, afastou-as deliberadamente e invocou o rosto de Naruto como uma espécie de talismã contra os demônios do passado. Viu seus olhos azuis, queimando de desespero, e segurou o fôlego. Por que estava deitada lá preocupada consigo mesma quando ele se equilibrava à beira do próprio abismo? O importante era Naruto, não ela! Se perdesse o interesse agora, sua recuperação seria gravemente prejudicada e talvez nem ocorresse. Preparara-se durante anos para deixar de lado seus interesses e problemas pessoais e se concentrar inteiramente em seus pacientes. Tinham colhido os benefícios e o processo se tornara uma parte de suas defesas internas quando as coisas ameaçavam se tornar demais para ela.

Usou agora aquela tática, impiedosamente afastando todos os pensamentos a não ser os que se ligavam a Naruto, o olhar preso ao teto com tanta intensidade que poderia fazer um buraco nele.

Na superfície, o problema parecia ser simples: Naruto precisava saber que ainda era capaz de reagir a uma mulher, ainda podia fazer amor. Não sabia porque ele não podia agora, a menos que os motivos fosse os que o bom senso ditava e que ela lhe descrevera algumas horas antes. Se este fosse o caso, à medida que a saúde melhorasse e ele recuperasse as forças, seu interesse sexual despertaria naturalmente, se houvesse uma mulher que o atraísse.

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