Melodia

Único

Era o primeiro dia de Star na escola de música e ela já estava atrasada.

Xingando os mais diversos palavrões, olhando a hora no relógio o tempo todo e correndo o mais rápido que seu sedentarismo permitia, ela tentava chegar a tempo do limite para não ficar sem assistir aula.

Deu um pequeno sorriso de comemoração ao finalmente alcançar o terceiro andar, onde sua sala ficava. Entretanto, um som tomou conta de seus ouvidos. O conjunto de notas formavam uma música de beleza melancólica, assim como belas pétalas se organizavam para compor uma flor. Seguindo o som, Star ficou tão hipnotizada que esqueceu completamente do fato de que estava atrasada em seu primeiro dia. Na verdade, era mais como se os diversos compassos a puxassem em uma inevitável atração, mais forte até mesmo do que a gravidade e do que uma aula prestes a ser perdida.

A música vinha da terceira sala do corredor e havia apenas uma fina brecha aberta na porta, dando para ver que, mesmo que alguém estivesse ali, tudo estava escuro. Star se aproximou na ponta dos pés, evitando fazer barulho. Não queria assustar a pessoa tocando pois não queria que ela parasse de tocar. Podia ouvir aquilo por toda a sua vida se pudesse. Parecia que, quanto mais perto chegava, mais bonita a melodia se tornava.

Empurrou um pouco a porta, o suficiente apenas para ver quem estava lá dentro. Seus olhos captam a figura de uma garota de longos cabelos negros. Ela tocava com uma paixão devota, com o coração tão aberto que era como se Star visse tudo dentro dele. Os olhos da menina estavam fechados, de modo que era mais como se ela sentisse a música com todo o corpo, deixando que sua mente guiasse os dedos pelas teclas com naturalidade, do que como se tocasse numa forma automática superficial e sem graça. Ela era linda, a garota mais bonita que Star já tinha visto. Seu rosto cora de imediato e ela não consegue desviar o olhar por nada nesse mundo.

Todas as vezes em que a canção se aprofundava, nas partes mais intensas, ela assistia com admiração a garota inclinar um pouco a cabeça para trás, balançando os fios negros, que pareciam absorver cada toque e se mover no ritmo dele. O corpo dela balançava em alguns momentos, e, quando seus braços se levantavam, o peito de Star se enchia de uma expectativa por uma nova onda arrebatadora de notas musicais que preenchia cada parte de si, como se a completassem.

Mesmo tendo durado apenas alguns minutos, Star sentiu como se horas tivessem passado, tanto que, quando os dedos da garota de cabelos negros finalmente apertaram as teclas que deram a música por encerrada, ela passou alguns segundos ainda com a melodia ressoando em sua cabeça e as notas flutuando em sua frente, não percebendo de imediato que os toques haviam acabado. Quando se deu conta, notou que a garota ainda estava sentada em frente ao piano, com os dedos ainda posicionados, mas sem pressioná-los. Ela não havia movido um músculo, e Star se perguntou se voltaria a tocar, mas, assim que o pensamento surgiu em sua cabeça, a menina virou o corpo e elas finalmente se encararam, olhando diretamente nos olhos uma da outra. Star corou, sem saber o que fazer, e as duas continuaram daquele jeito até ela resolver pigarrear, cortando o clima estranho que havia se formado.

— Desculpe por ficar observando. Você... Você toca muito bem e eu não pude evitar. — Diz, nervosa, ainda com o rosto vermelho.

Até que, como se só tivesse caído a ficha naquele momento, a menina de cabelos negros também enrubesce, abaixando os olhos e levando a mão fechada em punho até a boca. Apesar de tocar de forma tão aberta e confiante, ela era tímida, afinal. Star deixa um pequeno sorriso escapar com esse pensamento.

— Obrigada.

A voz dela era fofa, do tipo que dava para ficar ouvindo o dia todo sem cansar. Se assemelhava à sua música.

Elas passaram mais um tempo em silêncio. Star olhou no relógio e percebeu que já havia perdido a chance de assistir aula, de qualquer maneira, então entrou completamente na sala e se aproximou aos poucos.

— Não pareceu com nada que eu já tenha ouvido antes. Foi você quem compôs?

A garota olhou para as teclas do piano e assentiu, balançando a cabeça.

— Foi a música mais bela que eu já ouvi, e a forma que você toca também é linda.

Ela só percebeu o que tinha falado quando ouviu as próprias palavras em voz alta. Recebeu um olhar surpreso, acompanhado de um rosto pálido tornando-se completamente rosa. Star teve a mesma reação, tanto pelo que disse quanto pela beleza da menina, que de perto parecia ainda mais com um anjo. A timidez dela era adorável.

— Muito obrigada mesmo. Fico feliz que você gostou — Ela diz, e Star consegue ver um sorriso pequeno se formar antes que o corpo da garota vire novamente para encarar as teclas. Ela posiciona os dedos sem apertá-las, assim como fez quando terminou a música, como se fosse um hábito natural — Não costumo tocar para outras pessoas, mas acho que não me importo de você ter ouvido.

— Mesmo? — Star pergunta, animada, quase dando um pulo, porém tentando disfarçar depois com um pigarreio — Bem, nesse caso... pode tocar pra mim quando quiser. Vou adorar ouvir.

A garota assente com um sorriso. Star senta ao lado dela e passa a ponta dos dedos pela superfície lisa das teclas.

— Nunca tive a oportunidade de tocar piano, apesar de sempre querer aprender. Eu toco violino.

Os olhos da menina estão brilhando quando Star vira o rosto para ela. Suas faces estão próximas, e Star desvia a sua primeiro, envergonhada.

— Eu não tinha muito interesse em outros instrumentos na época que estava aprendendo a tocar piano. Depois de um tempo, no entanto, quis aprender violino, mas não tive a oportunidade até hoje.

— Eu posso te ensinar, se estiver disposta — Sugere Star, encarando-a com um sorriso. A garota retribui, pegando a mão direita alheia e posicionando nas teclas, pressionando-as, formando uma curta e entrecortada melodia. Star cora, acompanhando a mão dela guiando a sua para formar vários acordes.

— E eu posso te ensinar a tocar piano, se quiser. Sou Isabelle, à propósito.

— Sou Star. Devia estar na primeira aula, mas acabei me distraindo com a sua música bonita e não me arrependo.

Isabelle dá umarisada que combina perfeitamente com a melodia que toca quando ela aperta osdedos de Star nas teclas.