Capítulo Único

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Jongin estava se descobrindo, ou apenas... Assumindo, mas sim, Jongin, esse era seu nome. Seus amigos e familiares poderiam não aceitar, e ele poderia continuar se negando, mas uma vez que notado não seria mudado. Sabia que o desconforto que vinha junto de seu nome era apenas temporário, afinal, havia sido ensinado a odiar qualquer pessoa que fugisse do padrão, condená-la ao sofrimento eterno, e claro, ele não era uma exceção. Mesmo que inconsistentemente sua tortura eterna já havia começado, não por um ser que talvez nem existisse, mas pelo discurso de sua consciência. Sua disforia era o próprio diabo. Quando o pecado é algo que você é, algo que lhe faz feliz, quem está por trás possui controle total sobre você. A privação antecede a vulnerabilidade, dando total controle a quem faz as regras.

Adivinhe, são homens quem as fazem com suas próprias interpretações errôneas.

Apesar de toda a insegurança com seu corpo, não havia coisa pior do que a sensação de estar roubando a identidade de alguém sem estar, e, tão ruim quanto, era o que sentia em relação a seu namorado. Todos os beijos, elogios e toques não pareciam direcionados a si, se sentia um enganador barato, afinal, Sehun achava que namorava Kim Jongsoo, uma garota. Todo o seu ser desejava que o Oh lhe aceitasse, contudo sabia que quando cortasse o cabelo que ele tanto amava, deixasse de usar as saias e vestidos que ele lhe comprava, tudo ficaria mais complicado. Nem vamos falar sobre os hormônios e cirurgias. Jongin sabia que seu corpo, roupas e aparência não lhe faziam menos homem, mas sabia que só seria feliz quando se olhasse no espelho e visse a expressão que mantinha guardada dentro de si, visto que seria maltratado se esta fosse visível para todos. Porém, se fosse para enfrentar os pais, familiares e amigos, queria que ao menos fosse ao lado de Sehun.

Por isso, naquele dia, resolveu ligar, depois de ansiosamente andar por todo o quarto. Era hora de contar. Sehun merecia aquilo, merecia saber que era um enganador barato, porém mesmo sabendo disso, perdia a coragem a cada segundo em que ele não o atendia e o som de chamada ecoava por todo o quarto. Na verdade, talvez fosse apenas seu cérebro sabotando a realidade, pois Sehun não demorou a atender, mas parecia ter se passado uma eternidade.

ㅡ Bebê? ㅡ A respiração fugiu de todo seu corpo, sentiu-se suar, talvez sua pressão estivesse caindo.

ㅡ S-Sehun, oi... ㅡ esfregou a mão contra a coxa fingindo que isso lhe ajudaria com alguma coisa, lambeu os lábios secos. Era agora. ㅡ Preciso te contar algo urgente, peço desculpas logo por não ter te contado pessoalmente, mas eu acho que se fosse assim eu iria morrer antes de terminar. ㅡ se explicou rapidamente torcendo para que o namorado tivesse entendido tudo. O silêncio se fez presente e por dez segundos era apenas Jongin ansioso demais por uma resposta, e quando estes se passaram, uma risada graciosa soou. Era linda, mas não era momento para tal.

ㅡ Desculpa, Soo, ㅡ o apelido fora um soco no estômago. ㅡ Você me deixou nervoso, acabei rindo sem querer... Parece que você matou alguém ou... Que quer terminar comigo.

ㅡ Não! Pelo amor de Deus, Sehun, eu amo você... Mais do que você imagina. ㅡ apertou o telefone contra a orelha, falando mais baixo, queria que essas palavras fossem apenas dele. ㅡ Mas é justamente sobre a "Soo" que precisamos conversar. ㅡ respirou fundo.

Mas e se Sehun lhe odiasse? Mesmo que não namorassem mais, ele ainda iria querer sua amizade...

E se Sehun contasse aos seus pais?

Talvez lhe dissesse palavras rudes?

Deveria mesmo contar?

ㅡ Bebê? Você não vai me contar? ㅡ ele perguntou visivelmente nervoso no mesmo nível de Jongin.

Tanto faz, Sehun merecia por todas as vezes que ele lhe apoiou.

ㅡ Eu sou um homem, Sehun. ㅡ disse com firmeza e segurança, que foram pelo ralo ao escutar a própria voz, mas não deixaria sua disforia lhe atrapalhar agora. ㅡ Faz um bom tempo que eu notei isso, eu... Rezei. Muito. Tentei procurar todo tipo de ajuda, mas é o que eu sou... Eu não posso mais me prender a um discurso sem base, se Deus existe, ele me fez assim, não é culpa minha... Ele fez Jongin, não faz sentido ele odiar o que fez... Certo? ㅡ Sua voz fora morrendo aos poucos, mas não poderia voltar atrás, já havia jogado a merda no ventilador.

O silêncio que veio à tona já era esperado, mas mesmo assim o nervosismo era inevitável. Havia jogado muitas informações de uma vez e ainda assim sua mente insegura estava a mil, por isso continuou.

ㅡ O-olha, eu sei que são muitas informações, não deveria ter jogado tudo de uma vez. Claro, eu entendo se você me odiar agora, não precisa se cobrar, não sou egoísta ao ponto de pedir que... Continue sendo meu namorado. ㅡ a língua pesou com a finalidade da frase, e o aperto no peito aumentou ainda mais, além do bolo na garganta que o impedia de respirar.

ㅡ Jong... Jongin, respira. ㅡ ele pediu com uma voz suave, e o Kim quis chorar ao escutar seu nome. ㅡ Por favor, estabilize sua respiração, vamos respirar juntos, ok? Apenas me dê um tempo para organizar meus pensamentos, apesar de já ter certeza deles. ㅡ assentiu mesmo sabendo que o outro não conseguia vê-lo, logo seguindo seus comandos. Puxou o ar profundamente até os pulmões doerem, até sentir que poderia respirar direito mais uma vez.

Três minutos haviam se passado e particularmente se sentia mais calmo apesar de ansioso, já havia decidido deitar na cama segurando firmemente o celular contra a bochecha, assim como quando conversavam em sussurros de madrugada. Ele sabia que isso faria falta.

ㅡ Jongin? Ainda está aí? ㅡ murmurou em resposta. ㅡ Me escuta, apenas me escuta. ㅡ ele parecia implorar. ㅡ Eu amo você, tudo bem? Amo mesmo. Antes de você ser Jongsoo, de você ser Jongin, eu te amo. Seu gênero não me faz te amar menos. Na verdade, nunca foi sobre seu corpo, foi sobre o jeito que você segurava a caneta, suas incontáveis pintinhas, seu humor, o jeito que seus olhos brilham quando vê algo que gosta, o que me faz sentir o cara mais sortudo por receber esse olhar. Seu sorriso, quando você segura nas minhas mãos, seu jeito de pensar... Não é o seu corpo que faz você, Jongin, é o que tem dentro... E eu sei que nunca vai mudar. Eu tenho muito orgulho de amar e ser amado por você, eu não poderia ter um namorado melhor.

Cansou de conter as lágrimas, estava tão estupidamente feliz que nem conseguia expressar em palavras, não sabia por que estava com tanto medo. Sehun era simplesmente o homem mais perfeito do mundo, se sentia um sortudo enorme...

ㅡ Eu continuaria amando você mesmo se você fosse um troll. ㅡ Sehun continuou fazendo com que caísse na gargalhada.

ㅡ Eu também, pra tudo. Meu amor por você ultrapassa corpo e alma. Te amo... Muito. Acho que nunca estive mais agradecido na minha vida, obrigado mesmo, Sehun, muito obrigado.

ㅡ Você não precisa agradecer. Eu também te amo muito. ㅡ Jongin pôde escutar Sehun sorrir, e por um momento permaneceram assim, apenas ouvindo a respiração do outro vivendo na própria felicidade.

ㅡ Sou seu primeiro namorado, então? ㅡ sussurrou.

ㅡ Primeiro e único. ㅡ ele sussurrou de volta. Segredando para que ninguém mais soubesse.

Além do corpoOnde histórias criam vida. Descubra agora