Cherry_Nassar15
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França, 1957.
A fé é tudo o que resta quando a vida já tirou todas as escolhas.
Madre Simone sabe disso e aprendeu cedo.
Filha de camponeses da região de Lyon, órfã de mãe aos oito anos e criada entre freiras silenciosas e padres que não perdoavam dúvidas, Simone descobriu na Igreja a única estrutura onde o sofrimento podia ser transformado em virtude. A fé tornou-se sua muralha. Seu hábito, uma armadura. Subiu ao posto de madre superiora com a mesma disciplina com que escondeu cada vestígio de si, emoções, desejos, memórias. 
Ao assumir o Convento de Sainte-Marguerite, nas colinas isoladas da Provença, impôs uma rotina de ferro: silêncio, oração, trabalho. Nenhum desvio. Nenhuma concessão. Nenhuma brecha.
Mas o mundo lá fora continuava a sangrar e a julgar.
Soraya, por sua vez, vem de outro universo. Criada em Paris por uma família aristocrática e severa, sempre foi alvo de olhares de desaprovação. Desde muito jovem, percebeu que seus sentimentos não seguiam o esperado. Sentia coisas por outras meninas, olhares longos demais, suspiros silenciosos, o coração que se apertava sem motivo. Sua primeira confissão foi interrompida por tapas. 
A segunda, por lágrimas. 
A terceira, pela sentença: "Deus pode te curar."
Soraya não escolheu o convento. Foi enviada para lá pelos pais, que viam nos muros da fé uma última tentativa de "corrigir" a filha antes que a vergonha caísse sobre o nome da família. A promessa era de purificação. A verdade, uma prisão.
Quando Soraya chega ao convento, Simone a vê como mais uma alma perdida a ser endireitada. Mas algo nela, talvez a altivez, talvez a rebeldia velada a inquieta. E Soraya, embora diga odiar tudo o que o lugar representa, se vê estranhamente atraída por aquela mulher de olhos frios e voz impenetrável. Não pelo poder que ela representa, mas pela fragilidade que esconde tão bem.