Elias_Ramires
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Dizem que essa história não foi escrita.
Foi contada.
Passou de boca em boca, de varanda em varanda, atravessou décadas sem nunca se fixar inteira em lugar nenhum. Cada um lembrava de um pedaço. Cada um esquecia o resto. No interior, memória nunca foi coisa exata.
O que se conta aqui são fragmentos de uma lenda surgida no Cerrado, nos anos em que o mato ainda falava mais alto que as estradas, e o medo vinha tanto da floresta quanto dos homens fardados. Uma história antiga demais para ser comprovada, recente demais para ser ignorada.
Falam de um velho que se escondia onde o mundo acabava. De um homem marcado por uma maldição que não escolheu. De noites em que o uivo cortava o silêncio e ninguém tinha coragem de perguntar de onde vinha. Uns juram que era bicho. Outros, que era gente demais para continuar sendo gente.
Também dizem que, naquele tempo, o país vivia sob ordens que não admitiam perguntas. E que certas coisas - como monstros, lendas e desobediência - precisavam ser apagadas. Nem sempre conseguiram.
Este livro não pretende esclarecer.
Não reúne versões completas.
Não oferece respostas.
É apenas o que sobrou.
O que resistiu à poeira, ao medo e ao silêncio.
O que ainda se conta em voz baixa, quando a noite cai pesada e o mato parece escutar.
Se tudo isso aconteceu ou não, já não importa.
No interior, quando uma história dura tanto tempo assim, ela deixa de ser mentira.
Vira lenda.
☆ ☆ ☆ ☆
Esta crônica foi escrita em meados de 2025 e concluída no início de 2026.
Que esta leitura encontre quem ainda acredita que algumas histórias não nascem do papel, mas da memória.
Meus agradecimentos aos meus avós, tios e tias, que, nas noites frias do Rio Grande do Sul, contavam lendas assustadoras - histórias que nunca me abandonaram e que, de alguma forma, continuam sendo contadas aqui. 📚