FlorescerS2
Dizem que algumas crianças nascem marcadas. Algumas chegam ao mundo com um choro que atravessa paredes.
Outras, com um silêncio que parece conhecer os segredos do tempo.
Elara, porém, nasceu com algo ainda mais perigoso: ela nasceu com a coragem de olhar para aquilo que ninguém deveria ver.
Na noite em que seus pais morreram, quando o carro retorcido ainda fumegava na estrada vazia, uma figura se aproximou do caos. Não tinha forma definida , era sombra onde não havia sombra, era silêncio onde deveria haver desespero.
A Morte veio buscá-los.
Era apenas mais um trabalho.
Até que ouviu um som.
Um passo miúdo. Um soluço abafado. Um coração infantil teimando em bater.
Ela tá, com três anos de idade, saiu de dentro dos braços quebrados da cadeirinha e caminhou até ele. Até a Morte.
Desorientada, ferida, mas... viva.
E ao contrário de todos os seres que já o viram, ela não chorou, não gritou, não tentou fugir.
Ela o encarou.
A Morte congelou, pela primeira vez em séculos.
A pequena levantou a mão suja de poeira e sangue e estendeu para ele. E a Morte, o ceifador imutável, o guardião do fim, o eco eterno das últimas batidas de qualquer coração... permitiu.
Permitiu que a menina tocasse seu rosto invisível. E então ela fez algo que nenhum humano, vivo ou morto, jamais ousou:
Elara beijou a Morte.
Um beijo pequeno, inocente, leve...
Mas que abriu uma fenda no equilíbrio dos mundos...
A Morte, por um instante, sentiu.
E sentir era proibido.