descarnando
+18. Dorian Crane, trinta e quatro anos. Psicoterapeuta clínico. Ateu por convicção e homem de ciência por formação e temperamento. Sua existência era um mecanismo meticuloso, composto por gestos repetitivos - despertar às seis horas, café preto sem açúcar, sessões clínicas organizadas em blocos de cinquenta minutos, anotações por cor, gravatas dobradas com cuidado quase litúrgico.
Até que ele chegou. Um paciente. Ex-sacerdote. Despojado da fé, mas habitado por uma lascívia que ardia como um resquício sagrado. Havia em seus olhos a febre dos visionários e, nos lábios, uma confissão úmida, entregue com a intensidade de quem já cruzou os umbrais do indizível.
No fim, o paciente ofereceu a si mesmo em sacrifício. Nu. Ajoelhado como um devoto diante de um altar sem deuses. Com as entranhas abertas e expostas, desenhou com o próprio sangue, uma única sentença:
"Ele espreita do fundo do osso."
Desde então, o sono não o acolhe; apenas o arrasta. Sonha com lugares que não lhe pertencem - onde as paredes respiram e a carne pulsa com uma consciência rubra, úmida, faminta. Sonha com catedrais vivas, erguidas de costelas arqueadas, que exalam um perfume doce de apodrecimento e desejo. Ali, mulheres sem olhos - apenas cavidades negras que devoram - roçam-se contra seu corpo, murmurando com línguas quentes juramentos que tremem como um orgasmo à beira da explosão.
E ele sente. Sente-se atravessado, invadido, tomado. Um êxtase que corrompe. Um prazer que sangra. Uma culpa que se entrelaça ao gozo.
A razão se estilhaça. A lógica, outrora imaculada, geme.
Na tentativa de compreender o que se esconde por trás daquela frase - e daquilo que passou a nomear como a Irmandade da Carne - Dorian empreende uma descida lenta e inevitável. Não rumo a um lugar, mas a si mesmo. Descobre manuscritos esquecidos, cultos, orgias. Mas o verdadeiro horror não reside no que encontra. Ele está em seu sangue.
Pois a decadência já era dele.