Mesmo antes de eu nascer, já tinha alguém torcendo por mim. Tinha gente que torcia para eu ter nascido menino, outros para eu ser menina. Daí continuaram torcendo. Torceram pelo meu primeiro sorriso, minha primeira palavra, pelo meu primeiro passo. O meu primeiro dia de escola foi a maior torcida. E de tanto torcerem por mim, eu aprendi a torcer também. Comecei a torcer por um time. Provavelmente, nesse dia, eu descobri que tem gente que torce diferente de mim. E por não saber pelo o que torcer, eu torcia torcido. Torci para meus irmãos se ferrarem, torci para o mundo explodir. E quando meus hormônios começaram a torcer, torci pelo primeiro beijo, pelo primeiro amasso. Depois comecei a torcer pela minha liberdade. Torci para aceitarem minha sexualidade, torci para viajar com a turma, ficar até tarde na rua. Minha mãe só torcia para que eu chegasse viva em casa. Passei a torcer o nariz para as roupas da minha irmã e para qualquer opinião dos meus pais. Todos queriam torcer meu pescoço. Foi quando eu comecei a torcer pelo meu futuro. Torci para ser médica, música, advogada. Na dúvida, torci para ser arquiteta ou fotografa. Meus pais torciam para passar logo dessa fase, No dia do vestibular, uma grande torcida se formou. Meus pais, avós, vizinhos e todos os santos torceram por mim. Na faculdade, então, era torcida pra todo lado. Para a direita, esquerda, contra a corrupção, a fome e o preço da coxinha na cantina. E, de torcida em torcida, um dia tive um torcicolo de tanto olhar para ela. Primeiro, torci para ela não ter outro(a)?. Torci para ela não me achar muito branca, muito baixa, muito alta, muito magra, muito gorda. Até que descobri que ela torcia igual a mim. E daí pra frente eu entendi que a vida é uma grande torcida.