O subtexto bem poderia ser o seguinte: No mês mais desesperadamente quente e inviável de uma cidade desesperadamente quente e inviável, as pessoas saem às ruas e festejam. Desfilam, pulam, dançam, beijam, trepam, vivem, desesperam, desistem, adoecem, riem, fantasiam, esquecem, tropeçam, caem, gritam, esperam, suam – principalmente suam – despistam, insistem, desandam, entorpecem, abusam, estupram, roubam, perdem, ganham e dão. Fevereiro é quando a fervura sobe, transborda e é esquecida no fogão até azedar. É a procissão que redime os nossos pecados – a saber: o trabalho, as contas, a polidez, a civilidade e a infelicidade empurrada com a barriga até virar hábito, cultivada até virar mania. Não, eu não odeio o carnaval. Eu odeio ter que escrever folhetos de viagem sobre o carnaval. Ter de prometer que, em quatro dias, algum imbecil vai ter o pau estimulado e satisfeito como nunca teve, em cinquenta anos. É ter que, jeitosamente, dar a entender a alguma frustrada que, aqui, os homens sabem preliminares, partidas e prorrogações. É lançar às multidões de ninguéns a invocação mágica. “Venham, meus filhos! Soltem seus demônios! Aqui o exorcismo é ritmado, a penitência é um adereço e o arrependimento, uma alegoria. Tragam seus paus, suas bundas, suas bucetas e suas bocas. É a festa da carne. Se você tem quatro mil, duzentos e cinquenta e seis reais, pagos em doze vezes, pode comprar o seu ingresso, com direito a quatro noites, café da manhã e visita ao Cristo Redentor. Com o acréscimo de apenas mais cem reais, você ainda faz um tour pelas favelas pacificadas e observa como vivem apaziguados e satisfeitos os criadores do jongo, do samba, do pagode, das escolas de samba e do funk. Será que no futuro teremos o funkódromo? Você poderá almoçar nas comunidades e comer o típico prato carioca, composto por arroz, feijão, bife, batata frita, farofa e salmonela...
4 parts