Para onde quer que fujas, sou tua
Dá o teu amor a outrem, e verás que insisto
Não poderás ir longe, me levarás contigo
Na tua alma, impregnada e severa...
Te inclinaste para me adorar, tardiamente
Ousaste me excitar apunhalando-me a alma
E guardastes no túmulo uma insígnia
O meu coração que sangra...
Sim, mesmo à hora da morte, serei ainda tua
Pertenço-te, sou tua, tua maldição
Me escolhestes ainda menina e imperfeita
As tuas investidas serão desculpas evasivas...
Esperarei até que estejas saciado do amor das outras
Elas se embriagarão das tuas incertezas
E verás que eu estarei ali, cravada em tua carne viva
Tu verás e não poderás fugir da tua cela...
Amar-te-ei então, como te amei outrora
Não sei viver sem o cinismo da tua volúpia
Encarcera-me no mais profundo absurdo
E me profanas exacerbadamente...
Essa insensível frieza contra mim, tu lanças
Queres me esconder, me excluir, me matar
Não vês que sou parte de ti, desde tua existência
Homem, mulher, carne e sangue...
Perdoa-me por te amar ainda
Bem o sei, o meu amor é para ti um fardo
Meus olhos sentinela dos teus pecados
As tuas vontades, navalhas esfaceladas...
Estado de espírito são apenas pensamentos
Carta de alforria, libertinagem
Mas a angústia em si não é bela, é efêmera
Enclausura a tua paz, incendeia a tua teia...
Que suplício serias para ti viver de aparência
No espelho do passado, revelas um rosto desconhecido
Tu foges como podes, e deixas rastros subversivos
E logo apareces farto, demasiado encorajado...
Que sorte por não saberes o que é o ciúme
Ele anda contigo como uma sombra e te vigia
Eu mesma me encarreguei de enviá-la
Ele te habita, te tortura, te faz lembrar de mim...
Haverá um tempo em que não existirei mais
E te encontrarás liberto, em completo desespero
Até mesmo na hora da morte, ainda serei tua
Espalharás as minhas cinzas, no âmago da tua veia.
Marcelo Zacarelli
Village, 30 de abril de 2020.