Todos os Reis do Sertão de Mármore

Diz-se que, num tempo já meio esquecido, quando o Sertão ainda se dobrava entre coronéis e profecias, uma santa anunciou: só pode haver um rei. Se mais de um se assanhar, a terra esquenta, a guerra se alastra e só um há de sobrar pra livrar o povo da miséria e da violência.

Foi nesse tempo que chegou à cidade dividida por um muro de mandacarus uma estátua vinda de longe, uma princesa esculpida em pedra fina, dessas que só se vê em castelo de gente importante. Ninguém sabia ao certo como nem por quê, mas bastou que Lazinho botasse os olhos nela pra coisa estranha acontecer. A estátua abriu os olhos, respirou fundo e, num instante, já não era mais feita de pedra.

Daquele dia em diante, o Sertão nunca mais foi o mesmo. Um cangaceiro zumbi que voltou pra comandar um bando de fantasmas, reis querendo ser mais do que reis, e Lazinho, coitado, descobrindo que morrer e voltar a viver já não era mais mistério pra ele.

Podia ser história de cordel contada na feira, podia ser invenção de violeiro em noite de lua cheia. Mas foi assim que aconteceu - ou pelo menos assim foi contado por quem ainda lembra do dia em que o Sertão virou mundo e o mundo virou Sertão.