Serragem Doce

Dentro dos bolsos da blusa e da calça havia uma espécie de serragem, do tipo encontrado em qualquer marcenaria, pequenas tiras, resvalos de madeira. 
       Uma serragem vulgar pode vir de um objeto raro? Porquê os restos de pedra bruta, sobras lapidadas que transformaram-se em algum busto tem menos valor que o próprio busto? 
       Lembrou-se do embrulho em sua mala. Enrolado em papel de pão rasgado havia uma rosca doce em forma de cilindro retorcido. Um polvilho de açúcar esbranquiçado, parecendo um talco doce ia por cima de tudo. 
       Desembrulhou, sujou as mãos com o pó branco, lambeu dois dos dedos e mordeu o confeito. Uma pequena e deliciosa dentada. 
O gosto: soberbo, grandioso. Só não foi a mordida perfeita pela leve sensação endurecida da massa não fresca, sendo preciso uma pressão um pouco maior dos dentes e maxilar. 
       Mesmo sendo um doce de ontem certamente o ajudaria a conter a fome de hoje. Comeu com toda a calma do mundo. Os quinze minutos de folga foram todos dedicados a eliminar pedacinho após pedacinho toda a guloseima. Achava que comendo devagar enganaria seu estômago. Mas não. 
       Logo após acabar, lamber todos os dedos e as sobras de açúcar no papel de pão a saciedade estava longe, bem longe. Ainda tinha fome. Amassou o papel de pão após usá-lo como guardanapo e jogou-o de onde estava até o cesto de lixo do outro lado da rua. 
       Errou o alvo. Não se estimulou a atravessar e simplesmente deixou a bola de papel no chão, provocando uma cara feia em sua direção de uma senhora que passava. 
       Tinha que voltar ao trabalho. A senhora continuava a olhá-lo de forma repreensiva, e por impulso, levantou-se e antes de dar as costas à rua e voltar para o trabalho, gritou sem pudores para a senhora, não com sua boca mas com seu estômago : - Cara feia pra mim é fome!!!