Marcados

Lembro-me muito pouco de como eu era antes da tortura, antes de todo o sofrimento e da dor que marcaram aqueles anos que antecederam minha maioridade. Entretanto, em meio a essas lembranças fragmentadas, uma figura persiste com nitidez: o rosto doce e inocente da criança que, certa vez, salvou minha vida e me fez sentir emoções até então desconhecidas. Seu nome era Angelina. O breve tempo que passei ao seu lado tornou-se inesquecível; por mais que as memórias às vezes se percam nas sombras, jamais se apagam por completo. Elas permanecem, mais profundas e duradouras do que quaisquer cicatrizes visíveis, pois foram gravadas em meu coração, e não apenas em minha pele.

Hoje, amadurecido pelo tempo e pelas provações, vejo que aquela garota, a única pessoa que me fez sentir aceito e grato por existir, tornou-se uma mulher. Uma mulher de uma beleza singular. Mas pergunto-me: ainda teria ela o mesmo coração puro e generoso que, anos atrás, tanto me encantara?