Meu nome é Artur e vivi uma vida que poderia ter sido marcada pela paz e pelo amor, mas que acabou se transformando em um mar de amargura. A casa que um dia foi cheia de risos e aromas de comida caseira, agora é um refúgio da solidão. O dia em que completei 70 anos parecia um sonho, cercado pela alegria de minha esposa Fernanda, meus filhos, e meus netos Antônio e Maria Eduarda. Foi o auge da minha vida, um momento em que eu senti que tudo estava no lugar certo. Mas esse tempo de felicidade foi cruelmente interrompido quando o exército levou meu único filho, Marcos, para lutar numa guerra que não entendia, e ele morreu sem que eu pudesse sequer vê-lo uma última vez.
O que restou foi o meu fiel companheiro, Ruivo, um cachorro bravo que se tornou a única luz em minha escuridão. Ele era a lembrança viva do que eu havia perdido, e, como um remanescente de tempos melhores, fazia o possível para me proteger. No entanto, até mesmo Ruivo não pôde escapar das sombras que se abateram sobre mim.
Uma manhã, ao acordar e ver Ruivo segurando uma pelúcia que pertencera a minha neta Cocada, um novo desespero se instaurou em mim. Lembrei-me de como era a vida antes da guerra, com nossas rotinas, as refeições de Fernanda, e a presença vibrante dos netos. O café da manhã na cozinha cinza era uma melancolia, um retrato de tempos passados.
A tristeza foi ainda mais profunda quando eu li no jornal sobre um surto de raiva que se espalhava pelo país. Essa notícia me fez sentir que o mundo estava desmoronando ao meu redor. Naquela tarde, Ruivo não voltou para casa.