Quando nasci, fui recebido com júbilo por meu pai. Ele me desejava, me esperava, como se eu fosse a peça que lhe faltava, a redenção de uma perda antiga. Mas seu desejo nunca foi compartilhado por minha mãe. Ele nunca perguntou, nunca quis saber se ela ansiava pelo mesmo. Na verdade, ele nunca se importou. Homens de sua época não se importavam. Para eles, mulheres não desejavam - apenas cumpriam. Não era esse o dever dela? Ser o que ele quisesse? Entregar-lhe tudo, sem hesitação?
Lembro-me dessas histórias contadas em sussurros, nos olhares vazios de minha mãe, na maneira como ela desviava os olhos ao falar do passado. Quantos sonhos ela enterrou para ser aquilo que se esperava dela? Quantas vezes engoliu o próprio querer até se tornar um reflexo pálido da vontade alheia?
E pensar que, por tanto tempo, esse era o destino de tantas. De todas. Que tristeza. Que dor. Que asco.