O morro tava daquele jeito - som alto, criançada correndo descalça, nego vendendo churrasquinho na beira da viela. Mais um dia no corre, mais uma noite que prometia ser igual às outras. Mas aí, no meio desse mundaréu todo, lá vinha ela. A Kauany.
Ela não precisava de muito. Era só o jeito de andar, o sorrisão aberto, e já era. O mundo até dava uma trégua. Eu, que sempre vivi na correria, aprendi cedo a não se apegar. Mas com ela foi diferente.
"Ela é tipo meu ponto seguro no meio do corre, tá ligado? No meio do barulho todo, é com ela que meu coração sossega." - pensei, olhando ela rindo com as amigas, sem nem saber que era o motivo do meu sossego.
E ali, no meio da favela, entre barracos e histórias de luta, eu entendi: amar ela era a coisa mais verdadeira que já me aconteceu. Porque amor de quebrada é assim, forte, sem enrolação. Igual nóis.
Seria fácil se eu soubesse esquecê-lo, se eu soubesse viver com quem realmente me valorizou, mas o coração e a emoção falaram mais alto, me deixei levar por aquele velho amor de adolescência, sendo o que sempre abominei. Na esperança de que voltasse a ser como era antes, só que os tempos são outros, os sentimentos são outros e a vida nos calejou tanto, que foi impossível continuar sendo igual.