entre o silêncio e as palavras

Na infância, o silêncio tinha outro significado. Não era ausência, mas refúgio. Eu me escondia nele quando o mundo parecia barulhento demais, quando os adultos falavam alto ou quando as perguntas não tinham resposta. O silêncio era meu abrigo, meu canto secreto.
Mas havia também as palavras. Algumas doces, como histórias contadas antes de dormir, outras pesadas, como pedras que eu ainda não sabia carregar. Entre uma e outra, eu ia aprendendo a decifrar o mundo.
Lembro-me de observar mais do que falar. Guardava dentro de mim pequenos segredos: o cheiro da terra molhada, o riso das brincadeiras simples, a dor escondida atrás de portas fechadas. Tudo virava lembrança antes mesmo de eu entender o que era memória.
O curioso é que, no meio daquele silêncio de criança, as palavras brotavam em forma de imaginação. Eu inventava mundos, criava diálogos invisíveis, conversava com o vento. Era como se meu coração soubesse falar antes mesmo da boca aprender.
Hoje, percebo que minha infância foi um diálogo constante entre o silêncio que me protegia e as palavras que me libertavam. Cresci entendendo que ambos têm lugar: o silêncio me ensina a ouvir, e as palavras me permitem existir.
Talvez seja por isso que escrevo. Porque ainda carrego comigo aquela menina que descobriu, cedo demais, que viver é aprender a dançar entre o silêncio e as palavras.