The Half He Kept

É possível amar e odiar alguém ao mesmo tempo? Talvez. Ou talvez seja só uma dessas perguntas que ninguém quer encarar, porque a resposta costuma doer. Sentimentos assim tendem a andar de mãos dadas, roçando um no outro como lâminas - e às vezes a primeira coisa que cortam é justamente a pessoa no centro da história.

Will sempre acreditou que isso era impossível. Mas anos sendo perseguido pelos mesmos sonhos, pelos mesmos dois irmãos, desgastou qualquer certeza que ele tinha sobre como o mundo funciona. Coisas improváveis aconteciam. Coisas impossíveis insistiam em existir. Especialmente depois que ele descobriu que o "mundo" era só uma palavra pequena demais para tudo o que realmente existia.

Os sonhos nunca davam trégua. Vinham repetidos, obstinados, a ponto de ele decorar cenários, vozes, gestos... até a parte que mais odiava. A tragédia. Sempre a tragédia. Ele era obrigado a assistir, como um espectador preso a uma cadeira que não escolheu, com os olhos abertos por mãos invisíveis.

E, ultimamente, a sensação ficava pior. Como se o corpo não fosse só dele. Como se outra presença se espreitasse nos cantos da consciência, paciente, silenciosa, observando o que ele observava.

Aquela voz - porque havia uma voz - tinha o mesmo timbre dos sonhos. Não idêntico. Mais firme. Mais velho. Quase familiar demais.

Will não estava sozinho.

Talvez nunca tivesse estado.