Eu achava que o cansaço era só parte da vida adulta. Trabalhar demais, dormir pouco, sobreviver em uma cidade quente demais para quem carrega sonhos pesados. Até o dia em que descobri que alguns sonhos não pertencem apenas a quem dorme.
Vivo sozinho em Belém, estudo História, e passei a acreditar que o mundo era feito apenas de escolhas ruins e empregos piores. Meus pais adotivos sempre foram minha única verdade, e o passado, algo distante demais para doer. Mas certas perguntas não desaparecem com o tempo. Elas apenas aprendem a esperar.
Depois de uma explosão que não deveria ter me deixado vivo, criaturas que só existiam nos livros começaram a me encontrar. Não como lendas, mas como caçadores. Licântropos, serpentes que falam, cães da noite. Todos pareciam saber algo sobre mim que eu mesmo desconhecia.
Foi então que ouvi meu nome sendo pronunciado por alguém que não dorme há séculos. Descobri que sou filho do sono, herdeiro de sonhos que precedem os deuses do Olimpo. Hipnos não me deu respostas fáceis, apenas um mapa, uma lâmina simbólica e o peso de uma verdade que não cabe em palavras simples.
Entre semideusas, fugas mal explicadas e noites que nunca terminam, percebi que os deuses gregos ainda caminham entre nós, disfarçados, cansados, presos a regras antigas demais para serem quebradas. Mas existe algo ainda mais velho. Um conhecimento esquecido, registrado antes do trovão de Zeus, antes da chama de Héstia, antes do próprio Olimpo se erguer.
Chamam de Códex. Um fragmento de escrita primordial, onde sonhos não são descanso, mas caminhos. Onde o sono não protege, revela. Onde alguns nomes não devem ser lidos em voz alta.
Eu não queria ser um meio-sangue. Muito menos o guardião de algo que antecede os deuses. Mas quando você descobre que nunca esteve realmente acordado, não há escolha senão aprender a sonhar com os olhos abertos.