Numa manhã, a rua Aluísio Azevedo é tomada por uma hedionda imagem: a cabeça do filho de Jacira rola morta pelo calçamento. O corpo do menino de dois anos está ausente. A mãe, que em termos de espírito se aparenta a uma rocha, uiva como bicho aquela dor sem teto.
"O Breve Voo das Bernacas" conta a trajetória de Jacira, a morena desejada das gentes que, vítima da própria beleza, sofre as dores de um mundo cada vez mais animal e irracional: o nosso. A história se passa na Paraíba, em meados dos anos 2000.
Um trecho do primeiro capítulo:
"Jacira olhou a cabeça do seu filho, que repousava mansamente sobre os paralelepípedos. Os olhos semicerrados da criatura estavam tão sublimes que quase se fazia esquecer a ausência do seu corpo. O sangue aguando a dureza da rua Aluísio Azevedo. Começara a se formar em volta da hedionda cena uma pequena multidão de curiosos. A jovem mulher não se aguentou de pé, e rompeu em choro e gritos ao perceber que seu filhinho, que há pouco iniciara a vida, estava ali, morto. O espírito de um Cabeleira qualquer teria passado pelo pescoço de sua criança, de quem cujo único erro que se tinha notícia era o da própria origem. Os miolos pareciam escorrer da garganta.
As mulheres que se aproximavam da cabeça, compadeciam-se, pela primeira vez, da Jacira. Os homens se entreolhavam, e compartilhavam todos uma dor implícita, tácita como uma alma. Ninguém viera abraçar a pobre mulher, que agora agarrara a cabeça da criança e, em meio às lágrimas e qualquer coriza que lhe escorria do nariz, beijava a testa sem corpo daquela criaturinha de dois anos de idade. A mãe não entendia o motivo do breve voo. E, no entanto, culpava-se. Mas culpava ainda mais o desejo dos homens, a mania da carne e o fulgor do desejo. Estava ali, agora, com a cabeça do seu menino a rolar pelas mãos, e talvez tivesse mesmo de sepultá-lo sem o corpo, vendo apenas os seus olhos fechados pela janelinha do caixão."
Jandira te espera.
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