Sou assombrado desde que nasci.
Assombrado pelo que quero dizer e não posso, assombrado pelo que disse e não devia, assombrado pelo que quis dizer e não disse: assombrado pelos meus pensamentos.
Talvez seja por isso que penso tanto, desejo tanto, quero tanto. Talvez seja por isso que observo as pessoas, analiso as pessoas, respiro as pessoas e a sua hipocrisia.
Sou o autor deste livro; sou o grito que quis sair e não conseguiu. Sou o interlocutor. Represento uma nação, um futuro de uma geração que tem muito a acrescentar mas pouco a dizer.
Mas eu já fui uma criança. Não tinha mágoas, pontos e vírgulas a acrescentar, café para beber ou frases profundas e pensamentos a pulsarem-me no peito. Mas todas as crianças são diferentes.
Há crianças que nascem num berço de ouro e crescem entre dinheiro, abundância, uma família de aparências e acabam por crescer para ser médicos, advogados e líderes mundiais; há crianças menos sortudas que, por sua vez, nascem num berço de bronze e crescem entre o dinheiro suficiente para viver, comer e ser feliz. Talvez essas sejam realmente as crianças que vivem. Não crescem para ser nada além delas mesmas. São essas, porém, que gritam por liberdade, por respeito, por direitos.
Há crianças. Nascem milhares, quem sabe milhões de crianças por dia em berços de ouro, prata, bronze.
Eu não nasci num berço.
Na realidade, eu e as minhas duas irmãs nascemos num beco escuro duma noite gelada de Dezembro há 17 anos atrás, rodeados por chuva, vento, dúvidas, mágoas, nódoas negras e gritos.
Talvez por ter nascido primeiro fui o que tive menos sorte e o que nasceu mais revoltado. Talvez, por ser o primeiro a ter nascido, estivesse destinado à grandeza.
À grandeza das questões.
Não interessa.
Nada mais interessa.
Só sei que, agora, 17 anos depois, a coisa que eu mais quero é vingança.
E respostas.
Por um lado temos uma mulher que sofreu de todas as formas, e a cada dia perde a fé em tudo, do outro, temos algum cabeça dura, fechado, e totalmente nem aí pra terceiros, como isso pode dar certo de alguma forma? !