Não é preciso escrever sobre o real, mas sempre há algo real no que se conta. Não é necessário sentir a dor da picada para narrar a angústia do veneno. Mas e quando as palavras recontam seus dias? E quando o suor é narrado em detalhes? E quando a verdade parece ter rimas? Uns dizem que é uma bênção o dom da escrita; outros alegam inspiração. Eu acho que é loucura: não se pode sair são ao adentrar um mundo tão inabitável, psicodélico e amedrontador quanto o de um escritor, mas eu não saberia explicar por que a sensação é tão relaxante. A leitura nos draga pra baixo, nos afoga e nos força a, desesperadamente, buscar oxigênio - que está na próxima página, na próxima linha, no próximo parágrafo. O tempo encurta, o que houver ao redor se desconecta. Sentimos a textura da página, as curva das letras, as emoções das personagens. E quando acabamos, nunca é o fim, sempre precisamos de mais. Poderia ser um cigarro, poderia ser uma substância, mas é apenas escrita, pura e simples. E se o escritor for, no fundo, fruto de uma viagem de papel?All Rights Reserved
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