"... ó príncipes, meus irmãos, arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?". (FERNANDO PESSOA - Poema em linha reta) O sujeito que propositalmente provoca o próprio desquite indo à casa de prostituição. A dançarina e stripper que, durante uma performance, reconhece no público o atendente do INSS, que a afastou por problemas de saúde. O servente de pedreiro que, para garantir socorro imediato à mãe doente, rouba uma ambulância. Um leitor que empresta um livro da biblioteca municipal e o devolve depois de trinta anos. Um sonolento impostor disfarçado de correntista que, tarde da noite, aguarda a agência travar as portas para tranquilamente dormir em suas dependências. O analista que sugere ao cliente em crise conjugal que procure uma amante. O delegado que provoca revolta na população de uma pequena cidade ao proibir o carnaval. Estas e outras histórias são fictícias, mas poderiam ser verídicas aqui no país do jeitinho. Das pequenas malandragens até os crimes, graves inclusive, que se realizam pela simples razão da cultura brasileira tê-los feito se tornarem regra. "Eles prestam um desserviço", pontuariam indignados políticos da oposição, jornalistas conservadores e promotores, aparentemente sem se dar conta de que estão a fazer comédia, no Brasil da política e justiça falhas. "Desserviços", conclusão a ser por eles empregada ainda por muito tempo, mesmo já tendo sido esta expressão utilizada exaustivamente. Preferi adotar para tais traquinagens definição criada certa vez por Rubem Braga: "desobras". Não será grande surpresa se você conhecer pessoas que tenham recorrido a soluções semelhantes às descritas nesta coleção. A criatividade de nosso povo, afinal, nos é e será sempre familiar. #Wattys2016