Eu não vou mentir para você. Eu não tenho como mentir para você. Não consigo! Muitos crimes sob nossa investigação acabam por despertar um 'interesse' diferenciado, de nossa parte, em solucionar o caso. Não há como tratar todo delito de forma igual, 'imparcial', como quem abotoa as correias de duas mil sandálias por dia, na linha de produção de uma indústria qualquer, sem sequer olhar para o que está fazendo. Nós não trabalhamos no automático. Trabalhamos com gente! Com pessoas; seres humanos. E somos humanos também. Então, não adianta eu mentir para você. Quando aquela linda morena de 19 anos de idade, cabelos negros, olhos fascinantes e um corpo de classificação impossível chorava sem parar, pedindo - "por tudo o que fosse mais sagrado!" - que os responsáveis pelo assassinato de seu pai fossem presos... Olha... Eu confesso: o dever de ofício transbordou os limites da minha obrigação funcional. Entrei de corpo e alma naquela investigação como nunca fizera antes. Misturei razão e emoção num segmento de atividade profissional - Polícia - que, por prudência, manda saber separar esses dois pesos sob medida. Ignorei conselhos de quem já acumulava décadas de experiência nesses labirintos e, meio que por castigo da vida, senti o gosto amargo das consequências reservado a quem minimiza esses cuidados. Mas cá pra nós: quem é capaz de mandar no coração?...
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