Mara Farzante, sobrenome que ela mesma inventara para ares "profissionais", era uma dessas criaturas que anunciam, em panfletos em postes, trazer o ser amado de volta em sete dias. Sua oficina de trabalho, ou melhor, seu casebre parecia entalhado perfeitamente a esses propósitos impostores, conferindo um ar assustador e sobrenatural ao local ermo e pequeno à beira do barranco. Dez segundos bastavam para reparar em tudo: duas janelas estreitas tendo uma delas vista para o rio; uma geladeira branca toda riscada; um fogão de duas bocas conectado a uma pequena botija de gás; uma pia plástica que claramente servia também para lavar roupa (havia uma calcinha molhada ali); uma mesa e duas cadeiras plásticas vermelhas; uma rede enrolada em um gancho numa das paredes com seis sacolinhas de roupas amontoadas logo abaixo; um espelhinho três vezes maior que uma carteira de identidade; um armário de metal e vidro com uma das pernas quebradas, suportado com uma dobra de papel em baixo dele; uma cortina azul de pano num canto cobrindo o que se deduziria ser privada e chuveiro. Pronto. Nisso consistiam as posses de Mara. Quando ela decidiu, há cerca de quatro meses, entrar nessa vida de mística farsante ela não esperava testemunhar nem participar de eventos reais e inexplicavelmente demoníacos ao balbuciar nomes estranhos, acender velas coloridas e sacrificar galinhas. Afinal, inúmeras pessoas faziam isso para enganar e ganhar um trocado e era de comum conhecimento de que aquilo servia apenas para tirar dinheiro de gente desesperada. Assim, com esse espírito de "não é nada de demais essas coisas" é que Mara recebeu seu primeiro cliente.