Capítulo Único

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Fui ensinado por meus pais desde pequeno a doar e compartilhar o que eu pudesse com os mais necessitados, sem esperar algo de volta. Confesso, que o que eu mais curtia era ver o brilho nos olhos e o grande sorriso que eles devolviam. Isso não tinha preço.

Em uma das vezes em que visitei uma instituição, já adolescente, uma menina me chamou a atenção. Ela era uns três anos mais nova que eu e olhava fixamente para algo na rua pela janela. Mesmo magricela e com o olhar sempre distante, ela era linda. Fui com a bolsa de doações até ela e sorri:

-Feliz Natal! Desejo que sua vida seja cheia de amor, esperança, paz, sonhos e felicidades. -estendi a bolsa pra ela, sorrindo.

Ela me encarou por um bom tempo e voltou a olhar pela janela. Aquilo me desconsertou, nunca havia me acontecido antes.

-Hey, você não me ouviu? -ela se voltou mais uma vez com o olhar distante, pra mim, só que dessa vez, resolveu falar.

-O que é natal pra você? - eu esperava ouvir tudo dela, menos isso.

-Hm... Boa pergunta. Natal pra mim, é uma época de muito amor. As pessoas ficam mais felizes, verdadeiras e generosas. Sabe, reunir a família. E muita comida na mesa! -respondi todo sorridente. -E pra você?

-Natal é a época em que alguns riquinhos lembram da minha existência e da dos meus amigos. Trazem uma bolsa cheia de coisas que eles acham legais dar e saem daqui achando que fizeram a melhor ação do mundo. E, sabe, não tenho nada disso do que você acha que é Natal!

Essas palavras foram um soco no meu estômago. Ela falou tudo o que eu era e o que eu achava que estava fazendo. Por mais amor, que eu sentisse ao fazer as doações, me senti a pessoa mais fria do mundo.

-Você está certa! Dói muito em mim ouvir tudo isso, mas você tem razão. -olhei para o chão e soltei a bolsa. Subi o meu olhar marejado pra ela e sem medo, a abracei.

-Hey, o que você está fazendo? -ela me perguntou, assustada, permanecendo parada.

-É o meu jeito de te pedir perdão por todos nós. Riquinhos que não entendem, nem sabem de nada...

-Está tudo bem, menino. Para de me apertar! Eu já entendi que você está arrependido. -a soltei devagar e ela, meio sem jeito, limpou minhas lágrimas. -Não precisa ficar assim...

-Olha, o que realmente posso fazer pra ajudar vocês? De fato, não precisam dessas coisas que trouxemos?

-Na verdade, sim. Mas tem outras coisas que são mais importantes.

-O quê?

-Carinho, atenção, mostrar que vocês se importam com a gente não só no Natal... Fora os consertos aqui no abrigo, né!

Ela foi me falando tudo o que não tinha parado pra reparar até então. Preciso dizer que aquele foi o meu primeiro melhor natal. Simplesmente porque me senti mais útil e mais verdadeiro.

A partir daquele ano, eu e a comissão de doações mudamos nossa estratégia. E o resultado passou a ser bem melhor. Dulce, a menina magricela, me ajudava a organizar os projetos do "Doando o melhor" e eu a ajudava com os estudos. Aprendi que me doar diariamente, conviver com as pessoas da instituição me fazia entender o que era viver. Eu tinha muito mais a agradecê-los do que eles a mim.

Com o passar dos anos, muitas coisas mudaram em minha vida. Eu me tornei um jovem empreendedor, perdi meus pais e decidi sair de Monterrey para estudar na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles). Não mantive contato com o pessoal da minha terra. Só voltei para o México quando me formei e tinha certeza do que eu queria.

FELIZ NAVIDADOnde histórias criam vida. Descubra agora