Capítulo Único - Odiava.

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O relógio sobre a cômoda de Dust marcava onze da noite em ponto. E ele devia estar dormindo há muito tempo. Duas horas antes seria o ideal. Teria que prestar uma prova no dia seguinte e deveria descansar para tal. Mas seu cérebro estava elétrico e o deixara ansioso, impedindo-o de dormir. 

Mas de longe o motivo de sua insônia era a prova. Não, não, a prova era o de menos ㅡ e na verdade, Dust nem estava ligando muito se havia esquecido um pouco do assunto. 

Bufou frustrado e sentou-se na cama. Olhou para a porta de seu quarto e coçou a cabeça, tirando o cobertor de cima de seu corpo e jogando as pernas para fora da cama. Girou a chave na fechadura, trancando a porta, e foi até o armário, vestindo um moletom por cima da camisa do pijama. Enrolou um cachecol no pescoço ao colocar o capuz na cabeça e calçou os tênis que jogara para debaixo da cama. Olhou para o relógio na cômoda e caminhou até a janela, abrindo-a e olhando a altura da queda.

Revirou os olhos.

ㅡ Tsc.

Bom, era uma altura considerável de se cair. Calculada errada, a queda poderia quebrar sua perna ou torcer seu tornozelo. Aquela era a pior das hipóteses e certamente levaria uma bronca daquelas se seu irmão o pegasse. Acomodou-se sentado no parapeito, as pernas do lado de fora, olhando para o chão metros abaixo de si. Segurou-se na janela, pronto para dar impulso. O vento gelado do final de outono arrepiou-lhe pelas pernas expostas mas não se importou.

Dust pulou para o chão. Sentiu o tornozelo, mas ao se pôr de pé aliviou-se por não ter o torcido. Olhou uma última vez para a janela aberta de seu quarto e puxou o capuz mais para seu rosto, correndo para a calçada e seguindo para uma direção. As ruas estavam vazias, exceto pelos carros estacionados, os postes acesos, os livres gatos da vizinhança e a escuridão da noite. E Dust, correndo pelas calçadas, passando o quarteirão de sua casa para outro. Virou uma esquina. Continuou correndo. 

Mal acreditava que estava mesmo fazendo aquilo e sorriu, rebelde. Era estúpido, sair tarde da noite de casa, pulando a janela de seu quarto, para procurar ele. Ele, aquele demônio que conhecera meses atrás, ao início de seu terceiro semestre na faculdade. E não era exagero ou parte de seu comportamento chamar ele de demônio. 

Ah, não. Horror era, literalmente, um demônio. 

Dust já sentia a respiração pesada quando parou de correr, com uma camada fina de suor no rosto, três quarteirões e meio longe de casa. Fez careta. Era realmente estúpido. Caminhou até uma casa em específico, arrastando os dedos suavemente pelo muro e parou no portão alto. Olhou para trás, analisando o silêncio do bairro mais sofisticado. Voltou o olhar para o portão e apertou a campainha, demorando o dedo no botão propositalmente. Afastou-o cinco segundos e o pressionou novamente, impaciente. 

Uma risada veio do interfone. Dust cruzou os braços, olhando para ele.

ㅡ Ora, ora. Olá, presinha.

Ah, aquela voz rouca e maliciosa. Dust odiava-a. Isso porque ela sempre o desarmava. 

ㅡ Não fode, Horror. Abra a porta. - ordenou, esfregando os braços, incomodando-se com o frio que começava a sentir. Odiava a temporada pré-inverno.

ㅡ Estás abusado, garoto. O que lhe faz pensar que abrirei para ti? 

Dust quase mordeu o lábio, mas revirou os olhos. Odiava quando ele usava aquela linguagem formal, que soava tão poética. Tinha um fraco por poesia. 

ㅡ Estou mandando abrir. Abra. - Dust retrucou, enfiando as mãos nos bolsos do moletom. 

Fez-se um silêncio e Dust esperou. Olhou para o céu nublando e encolheu os ombros, afundando o rosto no cachecol. Uma chuva se aproximava.

Mordidas de um demônio - HorrorDust Onde histórias criam vida. Descubra agora