O Livro é Real!

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Meu nome é Lúcio, tenho 39 anos e este é o meu registro sobre o projeto que dizimou sete bilhões de pessoas no planeta terra.

Tudo adiante será escrito originalmente em português brasileiro, mas pretendo fazer uma cópia em inglês.

Há uma infinidade de outras obras escritas antes desta, mas estão sendo arquivadas ou destruídas. Minha função atual e de mais apenas outros quinhentos e oito bibliotecários é identificar e destruir todas as obras de material considerado descartável e isso implica destruir definitivamente mais de um bilhão de cópias livros. Estou agora trabalhando na única biblioteca funcionando em todo o planeta. Meu trabalho é simples, identificar o autor e decidir se devo sentenciá-lo ao esquecimento ou não. Se sim, ignoro a obra e o deixo para os overes, que são nada mais do que os encarregados em destinar materiais ao incinerador de anti-matéria. Se não, tenho mais um trabalho, o de recolhê-lo e protegê-lo.

As obras recolhidas não estão automaticamente salvas. Devo buscar cópias digitais delas, procurar por alguns termos negativos e conferir o contexto em que se encontram, podendo alterá-los. Caso seja uma obra inócua, que não traga más lembranças e influências negativas daquela época, solicito de cinco a cem cópias e mantenho-as na biblioteca que será a primeira biblioteca a funcionar no pós-Nódulo. E tudo a partir dela será novo. As outras obras cairão no esquecimento. Enfim, um trabalho que na faculdade nunca imaginei ter. E um trabalho que vai totalmente contra a minha classe profissional que por séculos têm tido como missão elementar preservar. 

Mas os tempos são outros, as profissões são outras. Tenho muito trabalho a fazer e receio não viver a tempo de concluir. E depois disso, não sei. Não sei o que vai ser do depois. E é frustrante porque antes a gente sabia o que viria depois de nossa morte: o meio ambiente ficaria mais degradado, o ar cada vez mais cinza, as crianças cada vez mais rebeldes e desorientadas, a África cada vez mais pobre, e ainda que em algum momento da História houvesse um revés, por gerações as previsões estariam corretas. Era um pensamento indutivo válido. Agora, a partir de nós, tudo é novo. Nós planejamos, mas não temos certeza alguma. O medo da morte hoje é muito pior do que antes. Muito pior.

Nosso medo da morte não é meramente um medo de perder a vida, é um medo de ter fracassado e não estar aqui para consertar, pois tudo de agora em diante é de nossa responsabilidade. Aquele rio poluído foi poluído por meu avô, aquela floresta desértica foi desmatada pelo tataravô dele e assim por diante para trás. Mas agora não há mais essa transferência de responsabilidade retrógrada.

 Claro que ainda temos toda a sujeira herdada, mas ela pode ser limpa, ela está sendo limpa. Somos uma geração de limpadores, purificadores, organizadores. Estamos tentando eliminar o caos deixado por um vício de cento e vinte mil anos atrás. Somos a tentativa de resgatar a humanidade perdida ou corrompida. E somos loucos, todos loucos por isso. Contudo, temos tudo para dar certo. Se eu não acreditasse nisso, eu não estaria aqui.

O correto seria eu escrever tudo de forma impessoal, formal, como um simples e frio relatório, mas isso já está sendo feito por muitos. O que mais temos aqui é gente fria, coletando dados, estudando, pesquisando, experimentando, avançando na ciência. Gente capacitada que pesquisa e ensina. Trabalha-se muito. E, de todo esse sistema de frieza e calculismo, tenta-se resgatar toda a humanidade.

Porém, considerando-se a humanidade uma relação antítese com o lado animal do homem, particularmente acho que nunca ela existiu na íntegra. Ospróprios animais na época antes do Nódulo pareciam deter de mais humanidade do que nós mesmos. Por outro lado, a humanidade é por fim um fruto da racionalidade, ou seja, um ato evolutivo. Se não era, acabou sendo, forçosamente. Ao menos, este é o objetivo do projeto.

É bom eu destacar, antes que eu avance e me esqueça, que esse meu registro em particular não tem muita razão de ser. É mais um conflito interno que estou sofrendo, mas que nossos psicólogos insistiam que seria comum. Entretanto, sinto-me um tanto preparado para lidar com ele. Assim julgo. 

Projeto RESETOnde histórias criam vida. Descubra agora