Sonho Deitado no Gramado

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SONHO DEITADO NO GRAMADO

     Adolfo chegou ao Flamengo para realizar os exames médicos que confirmariam a sua contratação. Era um sonho se realizando. Sair de Alagoas, onde atuou durante longos anos no modesto CSA, e vir para o Rio, jogar no clube de maior torcida do Brasil. Qual jogador não estaria tão ansioso quanto Adolfo.

     Os testes correram bem, afinal, o paraibano de vinte e oito anos tinha um fôlego de fazer inveja a muito maratonista. No dia seguinte, sob os sorrisos complacentes de seu empresário e dos diretores do Flamengo, assinou, trêmulo devido ao nervosismo, o contrato tão sonhado em um centro expressivo do meio futebolístico.

     Logo em seu primeiro treino na Gávea, Adolfo causou boa impressão, tanto ao técnico quanto aos companheiros de equipe. Com desenvoltura, o meia-direita correu, marcou, desarmou, passou e armou o jogo. Demonstrando habilidade e espírito de equipe, soube desempenhar bem sua função sem complicar. Ao final, ficou ruborizado com os rasgados elogios do treinador, assim como os tapinhas nas costas de felicitação dos colegas.

     Seu empresário lhe dizia que era sua chance de se mostrar para o mundo, que as portas da Europa se abririam com um bom campeonato. Adolfo, um humilde interiorano nordestino com bem pouca instrução, ouvia embevecido seu empresário, e sonhava com vôos maiores. Quem sabe a seleção não fosse um sonho impossível?

     Depois de uma excelente pré-temporada no clube, a estréia seria contra o Madureira. Clube difícil, diziam os companheiros. No dia do jogo, chegou junto com o time no Estádio Aniceto Moscoso, mais conhecido como Conselheiro Galvão, que não era muito grande. Com capacidade para dez mil espectadores, Adolfo não ficou impressionado, afinal, havia estádios bem maiores no Nordeste. Ainda assim, pisou no gramado com um misto de respeito e excitação, pois envergava a camisa do Flamengo, o “manto sagrado” de que tanto ouvira falar. Passado o nervosismo inicial do começo da partida, Adolfo foi se soltando aos poucos. No segundo tempo, sob o incentivo do técnico, teve uma atuação destacada, participando dos dois gols de sua equipe.

     No dia seguinte comprou todos os jornais para ler as críticas. Todas favoráveis! Encantado, ligou para a família e disse que iria comprar uma casa na cidade, pois a vida seria diferente a partir de agora.

     O segundo jogo foi contra o Olaria. Desta vez os avisos foram para tomar cuidado com as dimensões apertadas do gramado, pois o estádio do adversário era bem conhecido como “o alçapão da Rua Bariri”. O Mourão Filho era maior do que o estádio anterior, com capacidade para dezoito mil pessoas, e a torcida do time rival ficava quase em cima dos adversários. Mas Adolfo estava confiante e queria provar de uma vez por todas que sua contratação tinha sido um bom negócio. “Deu o sangue” como se costuma dizer entre as quatro linhas, e fez até gol na vitória por três a um. Na saída foi assediado pelos jornalistas. Estava inebriado com o sucesso! Queria mais! E o jogo seguinte seria a oportunidade ideal, pois seria o primeiro clássico.

     Num domingo ensolarado, o time partiu de ônibus em direção ao Maracanã. O sonho estava se realizando! Quem, jogador ou não, de qualquer parte do mundo, nunca sonhou em adentrar o gramado do Estádio Mário Filho, ter seu nome ovacionado pela torcida e se tornar um ídolo. Pois Adolfo estava vivendo este sonho. Na boca do túnel, com o coração quase saindo pela boca, podia ouvir a barulheira das torcidas rivais. Flamengo X Vasco. Poderia Adolfo ter melhor oportunidade de provar seu valor do que enfrentar o rival mais odiado de seu time? A rivalidade entre as equipes é de conhecimento nacional, e os ânimos dos jogadores de ambos os lados se exaltam em conformidade com tal fato.

     Trens que deságuam torcedores nas estações da Mangueira e do Maracanã. Outros descem do metrô, enquanto muitos saltam dos ônibus em frente ao estádio, ou nas proximidades, na Rua São Francisco Xavier ou nas Avenidas Maracanã e Radial. As torcidas gritam e pulam, e Adolfo parece rodopiar, imerso na atmosfera inebriante do maior palco do futebol em todo o mundo.

     O árbitro apita o início da partida. Jogo truncado, de muitas faltas. Adolfo não tem vida fácil. Já conhecido dos jogos anteriores, os marcadores vascaínos se revezam nos pontapés sobre o aguerrido nordestino. Mas Adolfo já estava acostumado em ser “caçado” em campo, afinal, futebol é igual em todo canto, e não acreditava que os pontapés daqui fossem piores que os do Nordeste.

     O primeiro tempo termina com um empate decepcionante para a torcida. No vestiário, o técnico chama os jogadores e dá uma cutucada em seus brios. O time volta com disposição redobrada, e Adolfo está mais convicto do que nunca que chegou sua hora. Ele pega a bola no meio campo e sai driblando os adversários. Já na intermediária inimiga ele antevê o gol aberto, e se prepara para o chute que o consagraria. Então sente uma dor forte na perna de apoio e cai no gramado. A dor era tamanha que nem viu o zagueiro que o atingira com um carrinho ser expulso. Levado ao hospital, os exames indicam que a lesão foi pior do que o esperado. A tíbia quebrada não havia sido a única coisa prejudicada na entrada criminosa, o menisco havia se rompido, e uma operação de emergência foi programada para o dia seguinte. Naquele momento, abandonado pelos dirigentes e pelo empresário à própria sorte, Adolfo viu seu sonho tornar-se pesadelo. Hoje vaga pelos bares contando as glórias que quase alcançou no futebol, sem que ninguém preste atenção nas histórias consideradas meras fantasias de um bêbado.

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⏰ Última atualização: Dec 22, 2012 ⏰

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