Encantadora de lobos

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Willa May sempre foi curiosa demais para o seu próprio bem. Ela sabia disso, e nunca se importou. E não começaria a se importar logo agora, enquanto ouvia o choro de um filhote vindo dos fundos da casa.

O fraco uivo tentava clamar pela lua, mas era uma outra dama vestida de branco que ia em sua direção.

Ela também era silenciosa como a própria noite, e por onde passava, roubava a atenção das estrelas. Mas para isso, precisaria chegar do lado de fora do terreno. De preferência, sem que nada acordasse. Seu senhorio certamente a puniria novamente ao flagrar a jovem descumprindo o toque de recolher do vijarejo.

Willa andava na linha tênue entre corajosa e irresponsável, mas ainda tinha o bom senso de temê-lo. A cada ano que passava seu olhar a assombrava mais do que o o açoite em sua mão. E desde que sua mãe faleceu, ela sabia que não poderia vê-lo mais como um padrasto. Ele certamente nunca a considerou parte da família.

O uivo cada vez mais intenso, fez Willa May sacudir os pensamentos e se apressar em chegar nos fundos. Certamente o filhotinho estaria preso em uma armadilha de caça de seu senhorio, e cada segundo contava. Ela tentou ser silenciosa. Conhecia cada tábua do piso, sabia exatamente onde não pisar, e finalmente avistou o pequeno lobo sob a lua cheia.

"Tão pequeno", ela pensou. A pelagem macia lembrava da primeira vez que pegou um lobo no colo ainda criança, totalmente encantada por suas orelhas pontudas e olhar penetrante.

Sua mãe nunca permitiu que ela tivesse um lobo como bicho de estimação. Ela não entendia que Willa, os queria como amigos.

Willa suspirou de alívio quando viu que o lobinho na verdade, tinha um espinho preso em sua pata. Ela retirou habilmente, e o colocou de volta no chão para que testasse alguns passos.

"Viu, você vai ficar bem! Só toma mais cuidado da próxima vez. Você veio aqui sozinho?"

Ele poderia ter vindo, mas sua pergunta foi respondida pelo som de galhos partindo pelos passos bruscos atrás dela.

Ela virou a cabeça devagar, e olhos amarelos a encaravam.

Das sombras, os passos cambaleantes do senhorio e o odor ocre que vinha dele, mostrava que havia bebido de novo. Willa sabia que em noites assim, ela deveria estar trancada em seu quarto.

"Você sabe que não deve sair a essa hora, May."

Ele estendeu a mão para pegar no seu pulso, e começou a arrastar a garota de volta para casa. Ela tentou se livrar do seu toque, mas ele a jogou no sofá como se fosse um objeto que ele decidiu que deveria ser quebrado.

Os olhos de Willa arregalaram quando viu as mãos calejadas do velho caçador indo para o seu cinto, conforme ele desabotoava a braguilha. Um desespero primitivo dentro dela gritava que essa punição seria muito pior que o açoite. Ele pretendia devorá-la de um jeito que nenhum lobo jamais faria.

Willa gritou e correu para a porta. O senhorio a pegou novamente, agora pelo seu pescoço, enquanto buscava pela barra do seu vestido. Ela o atingiu com os cotovelos, com chutes até que enfim arranhasse seu rosto. Notou o lampião que iluminava a cozinha, e o tacou em seus olhos. O único fogo que merecia queimar junto ao homem asqueroso. Mas ele não desistiria sem uma luta. Não sem o seu prêmio.

O senhorio a xingou como se tivesse o direito de ofendê-la, e a culpou pela maldição da cegueira e queimaduras como se não tivesse conjurado a si mesmo. O gim ainda em sua pele e roupa o fazia queimar como um demônio enviado do inferno. Ainda assim, ele podia senti-la, e a farejou como um animal.

Não. Animais nunca fariam mal nenhum a ela.

E como se o destino provasse seus próprios argumentos, a janela da cozinha irrompeu com uma besta colossal, travestida em presas, garras e vingança.

O lobo selvagem mirou na jugular do caçador. Ele não errou.

O vestido branco de Willa May logo se tornou rubro de sangue. De morte.

Não.

De liberdade.

Pela primeira vez, Willa May estava livre. Ela não sabia o que fazer com esse sentimento. Especialmente agora que sua casa estava em chamas.

Ela rumou para seu quarto, e em uma bolsa colocou tudo o que tinha de mais precioso, e correu para o terreno, a fim de ver as paredes de uma casa que nunca foi seu lar, sendo reduzidas às cinzas.

Então, ela ajoelhou na terra e chorou. De tristeza? De choque? De alegria?

O motivo não a importava. Só importava que ela estava chorando, e que a lua e os lobos haviam sido testemunha do destino que ela havia evitado.

Willa May não sabia o que os lobos falavam à lua, mas a sua forma ela uivava também.

O pequeno filhote subiu em seu colo e lambeu suas lágrimas. E logo surgiu da escuridão um par de olhos amarelos, que ao invés de medo, a cobriu de fascínio.

O lobo selvagem abaixou a cabeça perto dela, permitindo que tocasse em seu focinho. Ela encostou sua testa na dele e ficou ali por um momento.

Willa May subiu no dorso do animal, e saboreou o ar morno da floresta noturna.

Sim, ela era fascinada por lobos. Mas nunca imaginou que eles também se encantariam por ela.

Willa não sabia para onde estava sendo levada, mas sabia que estava finalmente, entre amigos.

Encantadora de LobosOnde histórias criam vida. Descubra agora