NOVEMBRO

UM

Como a luz da rua, como a luz da rua... vou cantando enquanto caminho. É uma noite fria... de neve, se posso ser mais exata. E para mais exatidão ainda, eu estou morrendo de frio. O que dizia mesmo na previsão do tempo? Não lembro... tenho certeza que nem vi. Como a luz da rua, como a luz da rua. No meio de uma noite solitária, eu apenas pareço brilhante. Sorrio ao avistar uma moça, do outro lado da rua, com um casaco branco. Ela realmente parece reluzir nessa escuridão.

Paro de andar, observo os carros começarem a andar, e aguardo impaciente. Está tão frio! Sinto meus dedos dentro das luvas congelarem. Lembro da minha colega do trabalho... Não! Lembro de como minha colega do trabalho estava vestida, lembrar dela é algo que minha mente não consegue fazer agora. Um longo casaco verde musgo, luvas pretas macias, acho que tinha detalhes em couro. Sintético ou natural? Ela até que aparenta ser vegana.

Olha! Uma linda criança mais aquecida do que eu - uma acabada adulta que nunca acerta na quantidade de roupas. Por vezes passo calor, por vezes passo frio... hoje é um desses dias de passar frio. Será que a mãe dela escolheu suas roupas? Com certeza deve ser a moça ao seu lado. Cabelos pretos, roupas escuras, uma criança no colo. Quantos anos o nenê teria? Dois? Três?  A própria moça parece ser nova também. Percebo que a criança mais velha, que também tem cabelos escuros, está tentando pegar um floco de neve. Ela está zombando de mim? Eu não gostaria de pegar em nada que fosse gelado, não agora. Quem sabe na próxima estação. Ela saltita, uma, duas, três... opa, o sinal abriu.

Recomeço a andar, como era a música mesmo? Uma cor desbotada, eu ando sozinha nessa escuridão... acho que não era essa a música que eu queria lembrar agora. Caminho rápido. Maior do que o medo de ser roubada, está o meu desejo de chegar em um ambiente quente. Imagino minha casinha quente, ou estaria fria? Espero ter fechado todas as janelas.

Ah, ali está ela! Abro o portão do condomínio, lá está o porteiro. Sentado na cadeira acolchoada, com certeza com o aquecedor ligado. Estará ouvindo alguma música? Ele não correspondeu ao meu olá, será que escutou? Sigo andando. Mesmo com o passar do tempo, este lugar ainda me prende... Cantarolo enquanto vou subindo as escadas.

201, 204, 216... 304. Finalmente em casa! Abro a porta e sou recepcionada pelo calor do ambiente. Como imaginei! Minhas panturrilhas gritam comigo. Eu deveria estar distante para não perceber como parecia tão pesado andar. Quanto tempo faz que não faço exercícios? Largo meu casaco no sofá, junto a muitas outras roupas. Meus sapatos ficam perto da porta, junto com outros mais, tiro minha blusa no corredor. Acho que não segurei bem e ela escorregou. Deixa. Depois eu pego.

Um dia frio, um bom lugar para ler um livro. E o pensamento lá em você... onde escutei essa música? Com minha mãe não foi. Ela sempre odiou o frio. Preferia temperaturas mais amenas, ela sempre disse. Mas onde foi que eu deixei meu pijama?

Sigo pro banheiro. Oi, querido reflexo. Uau, era assim que você estava o dia todo? Vamos ao banho! A água escorreu por meu corpo, esquentando e ao mesmo tempo queimando minha pele. O tempo que se fica exposto ao banho muito quente, somado ao uso de sabonetes e esponjas esfoliantes, podem favorecer o aparecimento de doenças. Quanto tempo faz que estou aqui? Sempre fui do tipo de pessoa que não sabe quanto tempo leva no banho. Existe mais pessoas assim? Talvez eu seja a única a compor o time.

Saio do banho. Olá de volta, querido reflexo! Como vai na dimensão atrás do espelho? Deve está indo mal, ela não sorri para mim. Não temos controle, o tempo é ligeiro... penso sorrindo quando vejo a hora. Estou chegando cada dia mais tarde e é totalmente sóbria. Que pecado!

Água quente! Quem sabe eu devesse tomar um chá, mas antes eu deveria me vestir. Cadê aquela blusa? Onde está minha calça? Aqui! Calça xadrez, ok. Blusa preta G3, ok. Uau, meu reflexo está realmente péssimo. Hora do chá!