Por que uma bolha?

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Em uma terra habitada por pessoas com diversas histórias, existia uma menina chamada Marília. Marília era conhecida na cidade como " A menina da bolha". Desde muito nova, por volta do seu primeiro ano de vida, seus pais por puro pânico de que a sua preciosa filha contraísse algum vírus ou bactéria, a projetaram em uma espécie de bolha estilo casa. Marília utilizava quando ia para a rua. Distante de tudo e todos, Marília estudava em casa e era considerada superdotada pelos pais, pois sabia somar 2+2, desenvolvendo habilidades em interpretação de texto e afins.

Com conteúdos seletivos, seus pais resolveram presentear a jovem, já com 20 anos, com fones de ouvido e uma playlist só com músicas instrumentais. Marília não conhecia o mundo fora daquela bolha. Não conhecia Maroon 5, Coldplay, Tiago Iorc e se quer Hillsong United. Imagine uma casa no estilo século 19, essa era a casa de Marília. Seus pai, Beto, era engenheiro mecânico e a sua mãe, Cleusa, Pesquisadora e bióloga marinha. Ambos possuíam doutorado, além de serem renomados em suas respectivas áreas de trabalho.

Todos os vizinhos questionavam o fato de Marília viver em uma bolha, mas seus pais sempre negavam-lhes maiores explicações. Com aqueles belos fones Rosa, ela corria dentro da bolha em direção ao parque do bairro. A versão instrumental favorita de Marília era O fantasma da Ópera. A cada som do violoncelo, Marília corria, como se fosse um hamster na gaiola, feliz e sem enxergar as pessoas que passavam ao seu redor.

Todos achavam aquela menina estranha e um experimento maluco dos pais. Digamos que Marília era desejada pelas pessoas como o Frankenstein, inclusive era o seu apelido. Como não sabia nem o que era, nem se importava.

Ensinada pelos pais a nunca prestar atenção em ninguém, assim Marília seguia. Mesmo com tanto conhecimento, seus pais lhe ofertava o mínimo, somente o que achavam necessário para a sobrevivência. Seus ensinamentos eram similares aos que os homens das cavernas tinham acesso. Marília não sabia nem o significado de "namorar" ou " amizade".

Em uma se suas corridas matinais, a bolha de Marília ficou presa em um ganho. De repente, um pequeno furo surgiu na bolha e Marília começou a se debater dentro daquela bolha, acreditando estar sem oxigênio e o ar que vinha do furo era irrespirável. Karla, que passava apressada pelo parque, avistou algo se debatendo dentro da bolha. Ao se aproximar, Karla riu, se questionando o que leva alguém a viver daquela forma.

Marília lhe pediu ajuda, mas o único jeito era destampar a bolha e assim Marília sair. Foi isso que Karla fez. Marília estava quase desmaiada. Por medo, Karla pediu ajuda. Gabriel se compadeceu e se ofereceu para levá-las até o hospital mais próximo, já que seu carro estava próximo e ele estava de saída. Antes de irem, como última visão, Marília viu a sua bolha murchar como um balão sem ar, e apagou.

No hospital, o médico disse que Marília sofreu um desmaio emocional e perguntou o que acontecera, mas Karla só sabia rir e Gabriel gritou logo:" não me pergunte, só estou de passagem". Sem entender a situação, o médico disse que Marília precisaria de repouso e pediu para avisar a algum responsável por ela, pois estava sem identificação ou aparelho celular.

Karla perguntou a Gabriel se ele a conhecia, já que havia poucos meses que ela passou a morar no bairro. Gabriel contou a história e disse que a conhecia como "Frankenstein". Karla não achou aquilo nada divertido, pediu o endereço de Marília a Gabriel e a deixou com ele. Revirando os olhos, Gabriel consentiu em ficar no hospital com Marília, mas fez questão de expressar a sua antipatia.

Após Karla sair, Gabriel passou a observar Marília. Sua pele límpida, o cabelo em tom marrom claro, amarrado estilo rabo de cavalo com frizz, seu corpo delicado e com bondosas curvas desenhadas nas roupas de ginástica. Na mesma hora Gabriel se repreendeu e lembrou - se quem estava a admirar com desejo. Quando abriu os olhos, reparou que pequenos olhos azuis o fitavam de uma forma curiosa, perdida e sem saber o que dizer.

Gabriel chamou logo o médico, enquanto Marília se cobria até a cabeça, tentando se esconder. O médico alertou que ela não poderia ficar daquela forma, já que havia acabado de despertar do desmaio. Gabriel, gentilmente, retirou o lençol que cobria a cabeça de Marília, pediu para que ela respirasse fundo e disse que estava tudo bem. Assim Marília fez. Esquecendo-se, por um instante, da bolha que era a sua"casa", companheira e amiga. Por precaução, o médico disse que iria chamar uma amiga (psicóloga) para conversar com Marília.

Enquanto a médica não chegava, Gabriel se apresentou para Marília, que gentilmente disse seu nome e agradeceu, mesmo sem saber direito o que estava falando, já que não tinha costume de conversar com outras pessoas, sem ser seus pais. Logo bateu o desespero e ficou procurando-os. Gabriel pediu para que se acalmasse, pois, Karla fora buscá-los, ela não sabia quem era, mas aceitou e ficou perdida nos grandes olhos castanhos do Gabriel.

Enfim, chegou a psicóloga Julia, com uma voz doce e rosto amável. Inicialmente, Marília se assustou e acabou segurando a mão de Gabriel, pois sentia uma conexão com ele. Gabriel explicou toda a situação, claro, o que ele sabia sobre, a respeito de Marília e sua família. Julia se assustou ao perceber que em pleno século XXI a falta de informação e conhecimento assolava aquela jovem. Logo a médica deduziu que Marília teve uma fobia, pois, sempre saia de casa dentro da bolha, então, na mente dela, aquela bolha era o seu mundo, fonte de tudo. Quando foi "retirada", mentalmente ela perdeu o oxigênio, pois deixou de respirar acreditando que o ar fora da bolha fosse tóxico, o que não deixa de ser poluído, porém, era o mesmo ar que ela respirava dentro da bolha. Julia passou horas conversando com Marília e pediu para Gabriel trazê -la novamente para continuar a sessão.

Gabriel perguntou como Marília se sentia a respeito e ela disse:

- Eu não sabia que o mundo era assim! A minha vida inteira estive contida naquela bolha, presa em livros que pré-selecionavam para mim e assuntos que não fazem o menor sentido aqui.

- Graças a internet você pode vivenciar cada experiência perdida. - disse ele.

- O que é internet? - questionou ela.

Sorrindo, Gabriel retirou do bolso algo que parecia um pedaço de telha, fino, com luzes e uma bela foto dele. Sem entender, Marília se afastou por medo de ser algum tipo de fogos tóxico.

- Te apresentou a um smartphone , agora, vamos pesquisar o que é internet, quando surgiu etc. - concluiu ele, ainda aos risos.

Marília admirou-se ao saber mais a respeito e começou a criar uma lista de perguntas para seus pais, principalmente sobre o motivo de roubarem-lhe o direito ao conhecimento. 

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