Não Vá...

Fim de Mundo

                         
   Keith 

E mais uma vez eu estava arrumando as minhas coisas em caixas de papelão, era difícil me acostumar com isso. Eu sentia um peso em meu peito e algo entalado na minha garganta, estava sendo difícil aceitar a mudança. 
Por um ano Miami tinha sido um lugar de recomeço, um lugar para me descobrir sem me preocupar com o que os outros iriam pensar, afinal eu não conhecia ninguém ali, e Shiro era um ótimo mentor. 

Shiro é meu irmão mais velho, e a pessoa por trás dessa mudança. A um ano atrás fora ele que deu a ideia para nossa mãe, algo como: “deixa ele vir para cá, vai ser bom para ele, aqui Curtis e eu podemos ficar de olho nele para não se meter tanto em confusão”, e claro que nossa mãe caiu nesta conversa. Afinal Shiro era um ex-militar e seu namorado ex-comandante da marinha, quem não confiaria seu filho a eles? Exato, não havia ninguém que não achasse que seria uma má ideia. 

A questão era que na minha cidade antiga, para onde estávamos retornando, ninguém tinha muita coisa para fazer além de tomar conta da vida um do outro. Aquela cidade era pequena demais para o meu bom senso, e desde que me tornei um adolescente parecia que os olhos de todos estavam voltados para cima de mim, e mano isso era um porre. Chegou ao um ponto onde eu não podia dar nem dois passos sem a minha mãe saber onde eu estava e o que eu estava fazendo, e claro eu como todo adolescente comecei a fazer merda atrás de merda. 

Por um tempo meu tio Kolivan me acobertava, já que ele era o centro das fofocas, tudo o que acontecia naquela cidade chegava aos ouvidos dele, e ele era a pessoa que decidia quais informações vazar. E quando ele se cansou, acabou se aproveitando que Shiro havia retornado do serviço militar mais cedo devido a um acidente que lhe custou parte do braço direito e lhe rendeu uma cicatriz no nariz, para me “exilar” em Miami. 

Como parte da sentença que me prendia aquele lugar eu comecei a receber treinamento “disciplinar”, que nada mais era do que um estilo de arte marcial trabalhada no exército, isso e a escola era algo obrigatória, o que eu fazia no resto do meu tempo livre não importava para eles, legal né? No começo sim, eu ate que me adaptei bem rápido naquele novo ambiente, a escola era bacana e morávamos perto de uma praia. 

Não demorou muito para eu começar a sair e explorar tudo o que aquela cidade tinha a oferecer, e claro com tudo isso veio a questão que todo adolescente está fadado a passar a “sexualidade”. Foi um ano turbulento, no meio de tantas mudanças, de corpo, de voz, de personalidade, de ambiente, e festas, acabei explorando mais esta questão de sexualidade. Não era por estar morando com dois caras que tinham um relacionamento saudável e feliz, mais sim pelo fato que em certa altura, acabei percebendo que sentia falta de uma pessoa em específico, e isso ficou na minha cabeça sabe? Será que eu gosto mesmo dela, ou é só saudade? Não achei outro jeito melhor de descobrir do que experimentar. 

Ainda me lembro de cinco messes atrás quando toda a família se reuniu para comemorar algum feriado idiota. Todos estavam na varanda, envoltos de música, carne e bebidas. Pareciam felizes, e provavelmente estavam já que fazia um bom tempo que não nos víamos, eu me sentia nervoso, sentia meu corpo tremer e a minha mão soando sem parar, frias como o gelo. Eu sabia que aquele medo era bobo, sabia que eles iriam me apoiar independe mente da minha orientação sexual igual fizeram com Shiro, igual acolheram Curtis na família a quatro anos atrás, eu definitivamente não tinha do que ter medo, mas ainda assim ali estava eu, parado na porta tremendo de medo. 

- Mãe — chamei. 

Todos desviaram sua atenção para mim. Curtis desligou o som para poderem me ouvir melhor, e eu me encolhi ainda mais, desejando esconder a minha cabeça num buraco e que aquele frio na barriga sumisse.