Talo

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Te atendi por muito tempo, Talo. Naquela salinha, no fim do corredor de uma clínica para pessoas que não têm dinheiro para pagar por outras clínicas. Acredite, ninguém consultaria naquele lugar se pudesse pagar por algo melhor. Hoje me lembro da sua última visita. Foi mês passado. Você estava cabisbaixo, triste, deprimido. Nada fora do habitual para quem tratava de gente como você o tempo inteiro. Esperei você sentar naquela poltrona velha, com espumas saindo para fora; soltar um suspiro, daqueles que nós damos no início de algo cansativo, e começar a falar.

Você me disse o que poderia, ambos sabemos tudo que foi dito naquela sala. Mas Talo, quando você terminou e esperou por uma palavra minha, por uma opinião sincera, por uma abraço caloroso, mesmo que pago, eu te dei uma receita e aumentei as doses do medicamento. Pobre Talo, eu não sabia que nem todos os remédios resolvem os enfermos da alma.

Escrevo essa carta pois hoje preciso dizer algo: seu pai é um desgraçado. Eu não ligo pra quantidade de bebidas que ele tomava durante o dia - eu admito, hoje me torno tão desprezível quanto esse homem. Mas ainda assim você não precisava aceitar o perdão dele, mesmo com todo o medo de reencarnar com o velho de novo. Agora, com todo o respeito, Talo, sua mãe era uma vadia. Talvez seus relatos mascarem toda a verdade que você tentou ignorar quando era só uma criança e se recusou a revelar na nossa última consulta: ela não se trancava com homens no quarto para ajudá-los com o dever de casa, por favor!

Talo, por mais deprimente que sua infância tenha sido, por mais indiferença que eu tenha te olhado em todas as nossas consultas, hoje eu consigo lembrar com alguma beleza para o momento em que você me contou das flores. Qual o homem que sabia se comunicar usando flores? Principalmente, qual o homem que acreditava que alguém entenderia o verdadeiro significado quando recebesse uma acácia amarela?

Não tive coragem de te ver num caixão. Quando recebi a notícia, uma beladona surgiu na minha cabeça, imaginei um azevinho e chorei por não conseguir imaginar você em uma próxima consulta.

Hoje te cultivo um ramo de alecrim com minhas lágrimas de arrependimento por toda indiferença que te reguei. Eu era sua médica, e você um filha da puta que ainda devia pelo mês anterior. Mesmo assim, acredite que pintei todas as babosas de azul, como as violetas, e espero que isso aqueça meu coração e me livre de todo peso na consciência, pois você já não deve mais ter pensamento algum. Seria injusta dizendo que escrevo isso pra acalentar algo além de mim mesma.

Mas os alecrins ainda são sobre você.

Adeus, Talo,

De sua psiquiatra.

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⏰ Última atualização: Jan 23, 2021 ⏰

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