Era manhã, bem cedo quando estava pronto para ir ao trabalho. Peguei as chaves do carro, dei o último gole no café e saí. Como sempre, já estava atrasado, mas isso não me preocupara muito, pois era corriqueiro para mim.
Morava no quinto andar e lá estava eu, parado em frente ao elevador. Fora quando decidira descer pelas escadas — coisa que nunca me acontecera antes.
Chegando ao estacionamento, encontrei minha vizinha sentada à escada, totalmente aos prantos. Não sou de me meter na vida dos outros, mas ela parecia tão aflita que fui forçado pelo meu senso a perguntá-la o que havia acontecido.
— Ei, moça. O que acontecera que lhe deixara assim?
Era uma garota de altura mediana, cabelos preto obsidian, com pele clara como a neve e olhos castanhos que refletiam a tempestade que passara em seu peito. Tinha cicatrizes de cortes profundos nas pernas e pulsos como lembranças das tentativas de acabar com todo aquele sofrimento que sentia.
— Nada, eu estou bem. — Respondeu, com os olhos marejando e mostrando um sorriso lindo, mas que não escondia toda a dor que sentia.
— Tem certeza? Se quiser posso ajudar, chamar seus pais. — no mesmo momento, esta me interrompeu.
— Já disse que estou bem, até porque você não entenderia. — limpara as lágrimas que encharcaram seu rosto e colocando-se de pé.
— Ok, desculpe. Eu não queria incomodar. — suspirei enquanto meu celular tocara. Era meu chefe. — Desculpe mesmo por ter incomodado, até outra hora. — dei-lhe as costas e fui em direção ao meu carro.
Dirigi ao trabalho ignorando todas as chamadas que recebia do meu chefe e tentando bolar algo para justificar meu atraso. É, acho que dessa vez não escaparei da bronca.
Chego em casa e lembro da garota que encontrara na escada, como era linda. Por que será que ela estava desabando daquela forma? Perguntas das quais nunca teria a resposta, pois, a mesma morava naquele apartamento há dois anos e aquela era a primeira vez que tinha escutado sua voz.
Tomei um banho quente, troquei de roupa, peguei meu cachimbo, um pouco de tabaco e fui a varanda ler um bom livro. Aquilo para mim era um ritual que eu repetia todos os dias para retirar do meu corpo o estresse da rotina, mas naquele dia, meu hobby fora interrompido por algo que marcaria toda minha vida.
Sentei em minha cadeira de balanço na varanda, acendi meu cachimbo, porém quando começaria a ler o livro, me assustei ao ver aquela linda garota sentada no parapeito da varanda do quinto andar.
— Ei, moça! Você não acha que é muito nova pra brincar de morrer?
— Você não é muito mais velho. Não tem nada melhor para fazer? — Rebatera ela, ficando de pé no parapeito.
Ela olhou para baixo e seu coração disparou, seu corpo enrijeceu tanto que parecia feito de madeira. Ela fechou os olhos e respirou fundo.
— Moça, não olha pra baixo, aí é muito alto pra você se jogar. — supliquei a ela, calmo.
Ela olhou para mim e sorri com tamanha sinceridade que me assustara.
— A morte é a única solução permanente para todos os meus problemas. — respondera, como se dissesse uma verdade indubitável.
— Ei, não faça isso! — Exclamei, me aproximando desta. — Você não prefere conversar? Me diz o que a vida aprontou com você…
— Não sinta pena de mim, você não sabe de nada! — ela gritara, me olhando nos olhos e deixando escorrer algumas lagrimas.
— Deixa eu te levar pra tomar um café e te ouvir… — pedi em tom de súplica.
– Eu odeio café.
A sensação que me passava, é que esta já tinha apanhado tanto da vida que encara a morte de frente sem lhe assustar nenhum pouco.
— Ei, eu sei que você está sofrendo, sei dessa dor que sente e também sei que nesse mundo existem muitas pessoas ruins, mas a vida é assim mesmo. Ela é uma peça em que somos atores principais e os outros são apenas plateia, não deixe que pessoas ruins te impeçam de brilhar. Lembre-se que a primeira vez que você pisou esse palco fora no seu nascimento, e mesmo com toda dor e lágrimas, você emocionou a todos. Isso significa que nem mesmo a dor nem o sofrimento são capazes de atrapalhar seu espetáculo. — pronunciei sincero, a olhando nos olhos.
Ela sorria como que se despedisse de mim. Aquilo me deixava aflito.
— Suas palavras são lindas, mas não mudam a realidade cruel que é esse mundo.
— Ela respondera, sorrindo e abrindo os braços.
O vento batia em seus cabelos negros e eu via em seu rosto a sensação de liberdade. Ela realmente acreditava que a morte era a única saída para seu sofrimento.
Nesse momento corri em direção a porta abrindo-a e partindo em direção ao apartamento dela, por sorte a porta estava aberta, mas tinha uma porta grade de vidro que separava a copa e a varanda.
— Ei, não faça isso. a morte não é a saída! — berrei, socando a porta com todas as minhas forças, mas a mesma não parecia ceder. Meu grito ecoou por todo apartamento.
Ela virou de frente para mim e sorriu com os olhos completamente encharcados de lágrimas.
— Moço, ninguém é de ferro. — ela não demonstrara medo algum. — Somos programados pra cair- — sussurrou quase que inaudível, fechando os olhos e deixando-se cair para entregar-se à convidativa morte.
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Amianto
Short StoryUm conto inspirado em uma de minhas músicas preferidas, espero que gostem. Somos como amianto....