Capítulo 2

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Eu precisei de um instante para me recuperar. E teria facilitado muito se
o rapaz não continuasse me encarando com toda aquela intensidade. Era como se ele pudesse me ver por dentro, vislumbrar tudo o que acontecia ali. E realmente não era uma boa ideia naquele instante, já que eu mesma não sabia o que estava acontecendo comigo.

Minhas bochechas corresponderam ao seu exame com uma explosão carmim, a pulsação apitando em meus ouvidos. A temperatura
do ambiente pareceu mudar de repente, como se o verão estivesse
nascendo bem no centro daquele armazém.

— Olá! — ele disse, retirando o chapéu preto, mas seu sotaque fez a
palavra soar como ôla! Argentino ou espanhol, talvez?

— Olá — murmurei.

— Já conhece a srta. Blair, capitão? — Ouvi a voz do comerciante, embora ainda estivesse presa ao encantamento lançado
pelos olhos castanhos daquele estranho.

Um capitão. Um homem do mar. Isso explicava algumas coisas. Por
exemplo, o porte esbelto, de ombros largos, cintura estreita e pernas que
pareciam ainda mais longas por causa das botas pretas de couro. E também a forma como ele se movia: ágil, preciso, maciço. Foi dessa maneira que ele se dobrou para apanhar alguma coisa do chão. O rapaz
um pouco mais velho que eu se vestia com elegância, reparei, apesar de
a gravata estar um pouquinho desalinhada. Não devia ser um militar, no entanto, já que não trazia dragonas nos ombros do paletó azul marinho. Ao se endireitar, a elegância de seus movimentos pareceu fora
de contexto devido à sua altura — algo em torno de um metro e oitenta.
Sua boca se esticou em um sorriso crescente, a cicatriz gradativamente esvanecendo. Meu coração pareceu tropeçar no peito.

— Ainda não tive esse prazer. Creio que isso seja seu. — Estendeu-me alguma coisa.

Com algum custo, consegui me libertar daquele olhar e contemplei
o que ele me oferecia. Minha tiara!
Vergonhosamente, demorei um instante para entender que deveria
pegá-la.

— Ah. Obrigada — falei, ruborizando.

— Não por isso. Chuck Bass, a seus serviços, senhorita. — Ele se
curvou em uma mesura galante, ainda me admirando como se fosse
incapaz de não fazê-lo.

Daquela distância, suas íris castanha eram ainda mais hipnóticas. Dois tons se sobrepunham para formar aquela coloração tão única: o
denso fundo cor de mel era praticamente encoberto por veios e ranhuras castanhas, como a explosão de fogos de artifício, congelada para sempre dentro daquele olhar em seu momento mais exuberante.

Minha nossa! Será que alguém teria acendido a lareira do armazém?
Não que eu me recordasse de já ter visto uma no estabelecimento,
mas era melhor apagá-la antes que o prédio se incendiasse. Eu mesma
estava a um passo disso.

Um pequeno V se formou entre as grossas sobrancelhas negras do
capitão. Ah, sim! Ele aguardava que eu me apresentasse.

— Blair Waldorf É um praz...

— Eu estava ansioso para que o senhor me fizesse uma visita —
atalhou o sr. Martinelli, como se, depois de cumpridas as formalidades, não pudesse esperar para agradar ao capitão Chuck Bass.

Após uma breve hesitação, o jovem se voltou para o comerciante, me liberando do feitiço daquelas íris escuras. Toquei a bochecha para
confirmar que elas não estavam pegando fogo e estudei o ambiente em busca da fonte de calor. Todas as janelas estavam abertas, e não
encontrei nada que explicasse a súbita mudança climática. De onde
vinha toda aquela quentura, afinal?

— Sinto que pode ser o início de uma bela parceria — refletiu o sr.
Martinelli.—Apenas me deixe pegar os papéis de que lhe falei. Aguarde
só um instantinho.

DesencantadaOnde histórias criam vida. Descubra agora