Os passos da mãe, caminhando em sua direção, deixaram Laura animada como não havia estado há tempos. Um sorriso contido, porém genuíno, encheu seu rosto e transbordou seu coração.
Quanto tempo não se viam? Doze anos? Mal podia esperar.
A batida na porta soou seca.
— Entra — Laura disse.
A maçaneta girou, e então sua mãe apareceu. Os mesmos olhos castanhos, a mesma boca com poucas marcas de expressão e o cabelo no ombro, como ela ainda se lembrava.
— Você não envelheceu nada, mãe! Está linda!
— Ah! — exclamou Sofia. — São seus olhos, filha. Da última vez que me vi no espelho havia mais cabelos brancos do que minha mão podia contar. — Sorriu.
A sensação de felicidade não contida impulsionou Laura para a aproximação, seguida por um abraço apertado e duradouro. Uma lágrima escorreu de seu olho, enquanto a mãe aninhava a filha num carinho que remetia à memórias distantes.
— Vamos — começou Sofia, se desfazendo do abraço e segurando Laura pelo rosto, de forma gentil —, me conte o que tem feito. Como vão Edgar e as crianças? Lucas deve estar enorme! Rafa já fala?
Mais lágrimas vertiam por sua face, mas Laura se mostrou forte para expelir as palavras presas em sua garganta.
— Estão todos bem, vão adorar te ver, mamãe! O Rafa tá falando mais que todo mundo junto. — Sorriu. — Lucas começou aquela fase de adolescente apaixonado. Esses dias apresentou o namorado pra gente, um garoto da escola, o Pedro. O rapaz gosta de Beatles, acredita?
— Já gostei dele, não precisa nem me apresentar. — A mãe parecia se divertir com o que ouvia. — E pensar que meu tio precisou esconder a vida inteira sua orientação sexual. Tempos difíceis eram aqueles. Vovô não aceitava de maneira alguma.
— Ainda bem que as coisas mudaram, né? — Laura coçou a garganta uma e duas vezes. — Mas, me conta. E você? O que andou fazendo?
Uma expressão de dúvida transformou o rosto da mãe antes que ela falasse:
— Ora, você sabe, não tem feito muito calor lá em casa. Então acabo sonhando bastante.
— Quê?
— Você não sonha, filha?
— Sim, sonho, mas o que isso quer dizer?
— Estou dizendo. Alguns sonhos têm se repetido e não sei muito bem o que acontece, mas pareço estar flutuando no vazio. O espaço, sabe?
— Você sempre quis ser astronauta, né? Deve ter alguma relação. Mas, digo, fora os sonhos, o que tem feito?
Um apito soou por trás dela, e a mãe falou:
— Ora, está fazendo chá? Por que não me contou?
— Eu não estou fazendo chá, mãe. Por que não responde minha pergunta?
O apito soou outra vez.
— Como não, filha? O que é isto, então? Não tenho muito mais tempo.
— Mãe, não faz sentido nenhum o que você está dizendo.
— Laurinha, querida, você tem tomado seus remédios? Não está falando coisa com coisa.
Um terceiro apito soou, e a imagem ao redor de Laura começou a escurecer. O que havia ao redor mesmo? Ela apenas conseguia lembrar-se da porta, e da mãe entrando.
Logo, Sofia também começou a se desfazer. O que está acontecendo?
Ao seu redor, apenas o vazio. Mãe? Você está aí? A voz entalada em sua garganta não saía. Laura ouvia apenas dentro de sua cabeça, a boca mexia, mas nenhum som era emitido de fato.
E então a luz voltou, rasgando seus olhos como se nunca os tivesse aberto antes. Piscou cinco ou seis vezes.
— Bem vinda de volta, Laura! — Uma voz masculina a surpreendeu de onde ela não podia ver.
— Sinais vitais, ok! — Outra voz, agora feminina. Essa ela podia ver: uma jovem, com jaleco branco, observava um pad transparente em suas mãos. — Temperatura, ok!
Laura tentou se mexer e olhar ao redor, mas sentia-se presa. Desviando a visão para baixo, percebeu que estava imobilizada em uma cadeira. Havia fios conectados a seu corpo.
— Como foi a experiência? — O homem apareceu em seu campo de visão. — Espero que tenha aproveitado sua mãe. Já vamos te liberar, só mais alguns minutos.
Ele se aproximou com uma luz mirando em seus olhos. Laura se lembrou do motivo em estar ali ao reconhecê-lo. Nas costas de seu jaleco, ela pôde ler:
Mermorium – Porque saudades são passado.
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Lágrimas da Saudade
Science FictionUm microconto sobre o reencontro entre uma filha e sua mãe.