Prólogo

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Essa história começa em uma biblioteca. Muita poeira tinha ali. Ylis odiava isso, apesar de Diiv já ter dito que boas bibliotecas têm magia entre a poeira.

— Acha mesmo que eu vou cair nessa? — Questionou ela rindo de forma tosca, quase tossindo. Talvez seja apenas uma desculpa para que sua companheira parasse de se preocupar tanto assim com a limpeza e se concentrasse mais nos estudos.

— A senhorita acha que eu, uma divindade menor, mentiria? — Ele sorria ao planar perto dela. Os pupilos de Ylis seguravam o riso e fingiam que não escutavam a conversa. Claramente a divindade menor estava sendo sarcástica, mas a jovem elfa raramente entendia o sarcasmo alheio.

— Mestres? — Uma anã mestiça tocava o símbolo em seu jaleco azul. Era um cumprimento normal entre os oficiais de Musashi. Dando um passo para mais perto de sua superior, a anã fazia um gesto com a cabeça; uma pequena reverência a Diiv.

— Sim, Pahyr? — Ylis, era jovem, uma elfa mestiça de cabelos loiros e óculos de fundo de garrafa. Tentava arduamente arrumar suas lentes para mais perto da face e isso se tornou um toque conhecido entre os mestres e pupilos da cidade. Eu mesmo não a deixava em paz quando notava sua mania.

— O comandante está aqui. — A face da pupila demonstrava preocupação, eu não não tinha costume de visitar a biblioteca da cidade tão cedo, muito menos próximo de minhas férias. Deixando os livros antigos de lado, a pequena elfa batia as mãos, amarrava o cabelo em um coque e dobrava as mangas de seu jaleco. " Aconteceu algo?" Ela se perguntou com certa preocupação, Diiv a parava antes que a elfa seguisse até às escadas e como um pai que cuida da filha, ele arrumava sua sobrancelha, esfregava o seu rosto e dizia como um sussurro:

— Coluna reta. — Ylis apesar de ser a segunda mais velha entre os mestres de Musashi, fazia pouco menos de meio ano que assumira o cargo.

— Não sei para que o nervosismo. — Ylis olhava para mim. Um homem de descendência asiática, mais precisamente um japonês. Alto, rosto fino e de corpo forte, apesar de esbelto.  Minhas roupas não mostravam a importância que eu poderia ter para a história, afinal, nem meus cabelos brancos indicavam a longa idade. Eu enganaria bem andando pela capital, seria confundido com um monge ou passaria despercebido se dependesse apenas de minhas vestimentas. Porém, até mesmo um comandante precisa andar corretamente, as vezes.

— Para o senhor vir cedo até aqui. Só pode ser algo urgente. — Tocando o corrimão de madeira talhada, Ylis olhava a larga biblioteca de Musashi. Meio quarteirão de estantes e livros sendo catalogados e arquivados por pouco menos de quinze pupilos. As luzes entravam pelas janelas em arco iluminando a clareira que se formava ao pé da escada. Visitantes, mercantes e estudantes lotavam os corredores que se mantinham em um leve ruído.

— Vim ver como estamos hoje, antes que eu fique de férias.

— Achei que nem viria, para falar a verdade. — Diiv ria. A divindade menor passava Ylis e flutuava até mim tocando o próprio peito fazendo uma saudação.

— Já disse não fazerem mais isso.

— Ora Ryujin, ordens de cima.

— O Mundo Espiritual pediu para você me saudar assim? — Com uma careca no centro da cabeça, Diiv tinha barba que se ligava ao restante do cabelo bagunçado. Seu nariz grande acompanhava um bigode grosso e pouco cuidado. Trajando um casaco de frio, o velho divino, apesar de ter uma face séria, possuía uma alma simples e bem-humorada. Seu corpo pequeno – cerca de 30 centímetros de altura –, tinha um curto manto em seu ombro, era o símbolo de Musashi.

— Claro que não! Ora... — Vindo até meu ombro para fofocar, ele se apressava para falar. — Foi a senhora Aida.

— Pare com isso, seu velho fofoqueiro. — Ylis se aproximava carregando suas agendas. — Tudo bem com o senhor? — A elfa me saudava.

— Está tudo bem.

— Conhecendo-o bem, Ryujin, essa visita não é sobre sua preocupação conosco. O que foi?

— Ylis.. — Fixando seus olhos no coldre de suas duas armas, o cajado e a espada, Ryujin se mantinha inerte, era uma decisão difícil que em tanto yen— Tenho uma tarefa à vocês dois.

— Como? — Em tantos anos convivendo com Diiv, ele jamais me vira pedir algo. Seu rosto incrédulo me observou dos pés à cabeça. Respirando fundo e soltando um ar frio de meus pulmões, eu caminhava até uma janela próxima. Antes mesmo de ver o próprio reflexo, me via observando a rua. O mercado estava aberto e os comerciantes faziam tanto escambo, quanto venda. As casas de madeira e tijolos, as ruas de pedras e granizo, tudo adornado por uma montanha, lar dos anões mineradores, logo a frente das casas, os campos de trigo e arroz, vigiados por um templo na base mais distante da montanha. Uma cidade simples, de fazendeiros e mineiros, que flutua no território marítimo de Nova Nagasaki, a cidade-nave de Musashi. — O que um imortal  precisa?

— Você vai descobrir.  

As Crônicas de Musashi - A Era do TestamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora