♪ Cobarde - Ximena Sariñana ♪
Era a ventania, o barulho do mar. Era tão longe de casa, que Ana nunca imaginou que pudesse estar tão fora de si.
Seu mundo girou, deixando avessa a princípios, amores e tempo de vida.
Não deveria ser fácil para alguém como ela, de alguma forma sabia que a vida cobraria um preço por seu egoísmo. Talvez fosse isso, uma punição pelos maus atos ou uma espécie de tratamento ainda em terra para uma possível rendição.
Mas o que ela nunca entendeu era o motivo de ter de ser como todas as outras, o motivo do script ensaiado do que significava ser mulher. Mesmo cheia de imperfeições e uma mania terrível de controle, não era como se ela não desse conta, não era como se fosse fácil ser gentil e amorosa com todas as pessoas do mundo. Essa não era ela, nunca havia sido ela.
Ana sentia muito. Sentia nas profundezas de sua existência. Mas ela nunca soube o que era dar e receber carinho como forma de educação. Isso sempre foi uma parte omitida, uma sentimentalidade controlada e exigida por sua mãe. Era sobre mostrar fraqueza, sobre se rebaixar a inferioridade de meros mortais apaixonados pela existência humana.
E ela não era fraca. Não.
Então, o que era lidar com um câncer? E por que, por um momento, parecia mais fácil lidar com ele do que com a estupidez que sua vida havia se tornado?
O vento a abraçou, arrepiando a pele e lembrando que estava ali por tempo demais. Tempo suficiente para Valentina precisar de seus cuidados, para que seus filhos sentissem ao menos um leve desconforto pelo seu sumiço repentino.
— Há mais acontecendo, mãe? Porque Cancun não é um lugar que Ana Servín gostaria de estar.
— Oh, querida, você conhece muito pouco sua mãe. — Ela disse com um sorriso cordial para a primogênita, beijando o topo de sua cabeça e segurando suavemente o rosto jovem. — Passar um tempo com vocês sempre será tratado com estranhamento?
— Quando você nos manda para cá depois de três semanas quase que trancada em seu quarto? Sim?
— Deixe de besteira, há mais com o que se preocupar, não?
Ceci apertou os olhos, tentando captar qualquer expressão que entregasse algo errado em sua mãe, mas ela bufou em sua desistência.
— Você não pode empurrar isso por muito mais tempo. — Acusou.
— E o que seria isso? Sobre o que exatamente estamos falando?
— Mariana?
— Oh, não, não vamos entrar nesse assunto novamente. — Ana revirou os olhos, afastando de sua filha. — Temos que respeitar Mariana e Regina, Ceci! Elas têm uma vida e você sabia que uma hora ou outra iriam embora.
— E você mesma acredita nisso?
— E do que importaria a minha opinião?
Ceci riu, sentindo a raiva reverberar por todo seu corpo jovial. — Eu só acredito que essa briga estúpida que teve com Mariana não é motivo para expulsá-la, e por sua culpa não a vemos mais, e nem mesmo Regina! — Ceci explodiu e fugiu da sala antes que sua mãe pudesse rebater com mais mentiras e desculpas que pouco acreditava.
E esse era o grande motivo de estar em Cancun. A distância física impedia que seu estado mental se afrouxasse em um pedido estúpido de desculpas a quem traiu toda sua confiança.
Ela não se permitiu pensar em Mariana tanto quanto seu cérebro gostaria. Havia muito mais para lidar naquele momento; um divórcio, a ausência de uma filha, um maldito câncer. Então, quando a mãe de suas filhas aparecia em sua mente, Ana fazia o possível para ser breve.
Mas naquele dia em que Ceci resolveu trazê-la para uma discussão, seu coração se quebrou como há muitos dias ela não sentia. O carinho velado, tornou-se sincero e presente. E uma doce onda de afeto ocupou em cada atitude que tinha com mãe e filha. Era como se, por uma capacidade unicamente de Mariana, tornasse Ana uma propulsora de seus doces gestos.
— Oh Deus... — Ela murmurou ao cair no sofá, uma mão enfiando nos fios loiros, enquanto a outra deslizava por mensagens antigas.
Fotografias que marcaram um tempo de confiança e cumplicidade. Um tempo de fortalecimento e superação de barreiras. E ela chorou mais uma vez.
Não havia nenhuma base para apoio, nenhuma pessoa que pudesse simplesmente confortá-la. Ana estava com câncer, separada, sem uma filha... E sozinha.
E isso doeu mais do que ela jamais conseguiria colocar em palavras.+
Não havia nenhum som. Nenhum suspiro, passos em casa ou mesmo movimento de alguma vida do lado de fora daquele quarto.
Ceci e Rodrigo estavam com Juan Carlos.
Valentina estava com Mariana.
Altagracia estava no andar debaixo, mais do que avisada sobre a presença indesejada de qualquer ser humano no andar de cima.
E Ana havia voltado da sua primeira sessão de quimioterapia.
Não havia o porquê de ninguém saber. Ninguém deveria ter de lidar com um problema unicamente dela. E depois de tantas idas e vindas do médico, ela enfim deu início ao tratamento.
Trabalhar a inteligência emocional exigia que você desse nome aos sentimentos, que entendesse o que sentia para depois o porquê sentia. E mesmo sabendo que o medo era um sentimento primário e despertava a fuga imediata, ela não conseguia ir muito além dele. O medo velou a impotência, a frustração, solidão e principalmente sua confiança.
Ana se segurou por todas as duas horas de sua quimioterapia vermelha, mas quando chegou ao seu quarto tudo ficou insuportável.
Então o choro a arrebatou mais uma vez, sentindo-se estupidamente frágil, e com muito medo de morrer.
+
— Às vezes, nós temos que viver nossa solidão. — Ana escutou sua mãe dizer do outro lado da linha. — E, talvez, as crianças morarem com Juan Carlos pode ser uma boa opção para você agora.
— Isso me torna uma péssima mãe? Desejar que eles passem um tempo longe?
— E quem é que é uma boa mãe? No final, não acredito que nenhuma de nós somos...
— Inspirador. — Retrucou. Respirando fundo e revirando os olhos, Ana se acomodou mais na cama, sentindo todo seu corpo reclamar do menor dos movimentos.
— Você deveria ligar para ela, Ana. Não concordo com as escolhas de vida, mas ela é mãe da sua filha... Seja o que for que tenha acontecido, não acredito que fosse o suficiente para apagar toda a sentimentalidade trocada no batizado. Eu estava lá, eu vi.
— E o que exatamente viu? — Ana mordeu o lábio enquanto sua mão deslizava sobre o port-a-cath em seu peito.
— Amor, Ana. Algo que nunca vi você entregar tão abertamente a outrem antes.
Ana respirou fundo, sentindo todo seu rosto se contrair na súbita vontade de chorar, sentindo seu peito apertar ainda mais com a aflição da saudade e decepção batendo forte juntas.
— O erro foi meu, não deveria ter me aberto tanto.
— Ana... — Escutou sua mãe suspirar do outro lado. — Só Deus sabe o porquê estou defendendo-a, mas era a mãe dela. Por mais que esperemos lealdade, há uma outra do lado de lá... E ela escolheu você.
— Posso acreditar que se afeiçoou a Mariana? — Ana tentou rir e acalmar seu coração, mas nada mais fazia efeito.
— Querida, eu não aprovava sua amizade. Mas não é sobre mim, é?
E quando a linha se foi, Ana suspirou pesadamente em seu lugar. Sua mãe não sabia o que dizia, porque o privilégio da ignorância era não ter conhecimento da profundeza dos sentimentos de Mariana e por isso a encorajou.
Não havia Ana e Mariana. Havia Valentina e Regina, e, bem, elas estavam fazendo um bom trabalho na entrega das meninas por Alta.
+
— Certo, Ceci pode ser um tanto estúpida acreditando que a culpa era sua por Mariana sair. Mas sei que tem um motivo. — Rodrigo disse ao sentar ao lado de sua mãe no sofá. — E eu estou sempre do seu lado, mãe.
— Oh, meu amor... — Ela sorriu doce, puxando-a para um abraço mais meloso do que ele esperava.
— Certo, definitivamente, alguma coisa está acontecendo...
— Saudade de você e de suas irmãs. Não posso ser julgada todas as vezes que meu pobre coração de mãe cair em um grande clichê, você sabe. — Ela o repreendeu suavemente.
— Sentimos sua falta. — Ele confessou. — Quando podemos voltar?
Ana suspirou, sentindo seu coração apertar ao olhar para aqueles olhos que mostravam o tamanho de sua inocência. Rodrigo ainda era uma criança, um menino que buscava amparo de seus pais, que buscava uma estabilidade em meio a tantas mudanças.
— Em breve, huh? — Ela acarinhou a bochecha do menino. — Muito em breve, eu prometo.
— E por que não podemos ficar aqui de vez? Por que temos de voltar para o pai?
— Porque eu não sou uma boa pessoa agora, Rodrigo. Há muito acontecendo e preciso resolver tudo antes que possa oferecer um ambiente estável para vocês.
— Se ama o papai, por que não voltam? Por que se torturam por erros estúpidos?
— Porque alguns erros estúpidos são irreparáveis, querido. E não há nada mais que possamos fazer.
— Então é isso? É realmente o fim?
— Nós não mentimos para vocês. E, sim, infelizmente sim.
— Mas pensei que o tempo resolveria tudo. — Ele confessou cabisbaixo. — Que estaríamos todos juntos, com Mariana e Regina de volta também.
— Sim, querido, eu entendo.
— Você não sente saudades delas?
— O tempo todo. — Ela riu suavemente, sentindo os olhos lacrimejarem com a verdade. — Mas, como eu disse, há algumas coisas que não conseguimos consertar, que não há o que fazer para reparar.
— Você ainda nos ama?
— Tudo que sou é amor por vocês. — Ela ditou toda a certeza que tinha no peito, puxando seu filho para um abraço longo.
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Espérame
FanfictionTantos eram aqueles que quebraram sua confiança, que deram as costas... mas por que apenas Mariana a afetou tanto?