Capítulo Único

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          Esquivou com uma cambalhota à esquerda do inimigo. Pegou do chão seu bastão cromado — que possui escrito na borda: “Independência ou Morte” — e voltou para os três assaltantes de banco.
     Com um deles de braços erguidos, pronto para golpear, disse: — É o Casca Grossa!! Acabem com ele!!
     O motor da van que os esperava, roncava alto. De portas abertas, o motorista de cabelos longos gritou para que colocassem as sacolas com o dinheiro dentro do veículo.
     Mas com a atenção voltada nele, o bastão do vigilante voou nos rostos deles, jogando seus lábios para a direita, cuspindo fragmentos de dentes com sangue. Os assaltantes gemeram de dor, acordando toda vizinhança.

     Luzes piscando em vermelho, e que ferem o olhar, surgiram na entrada do beco. — LEVANTE AS MÃOS!! — ordenou um policial de farda cinza, ao sair de sua viatura. Estendeu seus braços sob a porta, tendo apoio para apontar a pistola. — OBEDEÇA!
     O vigilante mascarado de tucano dourado, segurou um dos sacos com o dinheiro roubado, e caminhou lento até os oficiais. Só vou entregar a grana, sou o mocinho, cara, pensou.
     — Não ande! Parado! Fique parado!
     Casca Grossa respirou fundo ao notar a arma na mão do policial.
     — Se ajoelhe. E entregue a grana lentamente...
     Esse cara vai me levar pra D.P, que merda. Tô sem opção, pensou o justiceiro, que segurando um dos sacos nas mãos, correu na direção do homem.
     O policial e seu colega efetuaram disparos, que atingiram os tijolos da parede do acanhado beco. Enquanto o justiceiro aproveitava do capô para pegar impulso no pulo, e agarrar o corrimão das escadas grudadas nas varandas dos apartamentos.

***

     No térreo, o jovem se escondeu ao lado de uma entrada para os tubos de ventilação, que exala o cheiro de molho de tomate.
     A lua está cheia.
     A mesma que iluminava a cabeça de um povo livre e feliz. — Saudades daqueles tempos — disse Casca Grossa.

     A sirene da polícia ficara baixa, deixando de ser inaudível.

     — Foram embora? — Se perguntou o rapaz, alguns minutos depois de sentir um alívio descer no peito. Afrouxou a gola da jaqueta jeans, que o apertava desde o combate. Segurou a sacola bege, e espiou: parte do dinheiro roubado estava lá. — Devolvo isso pela manhã. Melhor ir embora...
     Entretanto, seu sussego acabou ao escutar passos molhados, que vinham na sua dianteira.

     Com uma cambalhota para trás, ele escapou de um corte veloz, que separou ao meio os tubos de ventilação. Agora impregnando no ar o forte cheiro de tomate.

     Um alto ser encapuzado, de vestimenta branca e máscara vermelha — que lembra um demônio pelos chifres abaixo da boca —, erguia sua espada para o justiceiro.
     Quem é esse arrombado?, pensou. O peito estufado e os braços largos do homem, o intimidou. Ele recuou um pouco, mas o indivíduo continuava a se aproximar.
     — Você... é o herói? O dos jornais? — perguntou o ser.
     O jovem concordou com a cabeça, resguardando o bastão.
     — Assisti à sua fuga; muito foda. Sabe onde encontro mais gente como você? Estou querendo tomar o posto de protetor desta... CIDADE! — A faca que lançou, por pouco, acertou um encanamento, que depois liberou vapor quente.
     Casca Grossa aproveitou para pular. E acabou numa caçamba de lixo.
     Lá de cima, o ser também pulou, mas com sua espada acima da cabeça, com a lâmina virada para baixo.
     O justiceiro saira da caçamba quando o homem atingiu demais sacos pretos, que explodiram pelo impacto da queda, e restos de lixo sujaram sua capa branca — agora esverdeada.

     Correndo em vielas próximas, Casca Grossa enfrentou no caminho: roupas em varandas, ruas sem saída, e amontoados de lixo. Retardando o corre-corre.
     — Não fuja!!! Irei exterminá-lo logo, logo; “herói”!! — disse o ser, saltitando em varandas vizinhas.

     O porto estava logo à frente.
     Casca Grossa ouviu o apito de um navio, estando agora animado. Ele usou todo fôlego que sobrara.
     Chegando até uma cerca de pedra, que é plana em cima. Pôs o pé nela, e pulou.

     O vento cortante em sua face, e a bela vista do mar — criado artificialmente há 30 trinta anos — o deixou mais... calmo. Por enquanto.

     O jovem notou que facas de cozinha passavam por suas pernas. Algumas cortaram a perna direita, e outras a cintura. Isso o fez largar o dinheiro, que parou nos braços do encapuzado.
     A força do salto o levou a um navio cargueiro.
     Todos os tripulantes ouviram o estrondo, e foram verificar. Lá ajudaram o rapaz, que encarava o espadachim saindo de cena.

***

     Na avenida, o espadachim puxou um molho de chaves, e gracejando disse: — Hoje não cumpri meu objetivo, mas ganhei um sustento. Agora só falta achar a chave do apartamento da Carla, e...
     — Parado aí — disse um policial, o mesmo da abordagem mais cedo. Ele analisou o indivíduo dos pés à cabeça. — O que faz aqui? Não é tarde para uma festa fantasia?
     — Não senhor, eu tô... Saindo de uma — respondeu ele, rindo baixinho. E retirando a máscara, revelando o rosto cheio de espinhas.
     Quando o policial ajeitou sua boina cinza, atirou o olhar na sacola. — Tem algo na bolsa?
     — Bolsa!? — Ele encarou seus antebraços. — Sim! O saco de lixo. O povo bebeu muito lá, sabe? — Ele riu outra vez, porém, um pouco mais alto.
      — Engraçado — O policial deixou-o de costas, e algemou. —, não sabia que o lixeiro passa hoje?...
     Na viatura, o indivíduo jogou todo tipo de justificação. Os oficiais apenas ligaram o rádio. E aproveitaram que atravessavam a avenida Paulista, para contemplar as novas ilustrações de talentosos grafiteiros nos prédios da cidade.

Fim.

Fim

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(Ilustração feita por mim)

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(Ilustração feita por mim)

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